As maiores preocupações para o Brasil sobre o impacto do aquecimento global encontram-se nos capítulos 3 e 4 do contundente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), divulgado nesta segunda-feira (9). Dividido em 5 partes temáticas produzidas por cerca de 800 cientistas de 66 países, o documento é um dos mais alarmantes já produzidos pelo órgão da Organização das Nações Unidas (ONU).
O texto traz questões preocupantes sobre o impacto do aquecimento global na economia brasileira ao citar que o país produzirá menos alimentos, se as metas do Acordo de Paris para a redução da emissão de gases poluentes não forem atingidas: "As maiores reduções no crescimento econômico a 2°C em comparação com 1,5°C do aquecimento são projetadas para países e regiões de baixa e média renda (continente africano, sudeste da Ásia, Índia, Brasil e México). Prevê-se que os países nos trópicos e subtrópicos do Hemisfério Sul experimentem os maiores impactos sobre o crescimento econômico devido às mudanças climáticas, caso o aquecimento global aumente de 1,5° C para 2°C".
A coluna destaca os principais pontos em que o relatório, intitulado "Climate Change 2021: the Physical Science Basis", cita o Brasil (a íntegra do documento, em inglês, está disponível aqui).
Crescimento na duração das secas no Nordeste brasileiro e no norte de Minas Gerais. Diz o texto: "essa análise revela os seguintes pontos críticos de seca, anomalias de umidade do solo e Índice de Precipitação Padronizado de 12 meses (SPI12), com pelo menos um dos índices exibindo seca estatisticamente significativa ): região do Mediterrâneo, nordeste do Brasil e sul da África.
Aumento no número de dias secos e na frequência das secas no norte da Amazônia brasileira
Número de dias com temperaturas máximas superiores a 35ºC na Amazônia aumentarão em no mínimo 60 dias por ano até o final do século (podendo passar de 150 dias em cenário mais extremo)
Mudança no regime das monções no sul da Amazônia brasileira e em parte do Centro-Oeste, com atraso nas chuvas torrenciais. As projeções apontam para aumento das secas, que afetam a produção agrícola, um dos principais motores da economia brasileira.
Cenários com maior frequência de incêndios e desertificação no sul da Amazônia brasileira e em parte do Centro-Oeste. Diz o texto: "Embora o aquecimento seja projetado para ser o mais alto no Hemisfério Norte abaixo de 1,5 ° C ou 2 ° C do aquecimento global, as regiões nos trópicos e subtrópicos do Hemisfério Sul devem experimentar os maiores impactos no crescimento econômico (...) Reduções estatisticamente significativas no crescimento do produto interno bruto (PIB) per capita são projetadas em grande parte do continente africano, sudeste da Ásia, Índia, Brasil e México (confiança de baixa a média).
Chuvas mais frequentes no Sudeste. Aumento das inundações causadas pelas chuvas, que devem se tornar mais frequentes. Em certo trecho, o documento alerta para o impacto das mudanças climáticas no turismo: "O aquecimento global já afetou o turismo, com riscos aumentados projetados abaixo de 1,5 ° C de aquecimento em regiões geográficas específicas e para o turismo sazonal, incluindo destinos de esportes de sol, praia e neve. (...) Os riscos para o turismo costeiro, particularmente em regiões subtropicais e tropicais, aumentarão com a degradação relacionada à temperatura (por exemplo, extremos de calor, tempestades) ou perda de recursos de praia e recife de coral.
No documento, o sul do Brasil está incluído na região chamada Sudeste da América do Sul (SES). Trata-se de uma grande área que inclui, além do território brasileiro, partes do Paraguai, Uruguai e da Argentina. As previsões para essa região são de aumento de chuvas em intensidade frequência, além de inundações, se a temperatura global superar os 2ºC.
Elogio ao etanol brasileiro
O único elogio ao Brasil está no capítulo 4, sobre a produção de biocombustível: "(...) Em algumas regiões do mundo (por exemplo, o caso do etanol brasileiro, o uso de bioenergia está maduro e a indústria é bem desenvolvida), as transições de terra podem ser equilibradas com a produção de alimentos e a biodiversidade para permitir um impacto global nas emissões de CO2, diz o texto.
Um box detalha o histórico de produção brasileira de etanol sob o título "Bioetanol no Brasil: inovação e lições para transferência de tecnologia"
"Após um período de transição em que foram usados carros movidos apenas a etanol e apenas a gasolina, a era flex-fuel começou em 2003, quando toda a gasolina era misturada com 25% de etanol (de Freitas e Kaneko, 2011). Até 2010, cerca de 80% da frota de automóveis no Brasil havia sido convertida para o uso de combustível flex (Goldemberg, 2011; Su et al., 2015)", diz o texto.
E acrescenta: "Mais de quarenta anos combinando tecnologia push e market pull medidas levaram à implantação de produção de etanol, transporte e sistemas de distribuição em todo o Brasil, levando a uma redução significativa nas emissões de CO2 (Macedo et al., 2008)".