Dezessete veículos de comunicação, entre eles alguns dos jornais mais influentes do mundo, trazem em suas edições desta segunda-feira (19) detalhes de como governos de pelo menos 10 países teriam utilizado um software para invadir smartphones de milhares de jornalistas, ativistas de direitos humanos, empresários, líderes religiosos, advogados e pesquisadores mundo afora.
O consórcio investigativo inclui The Washington Post, Le Monde, The Guardian, Haaretz, entre outros. Conforme a denúncia, as autoridades de Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, México, Hungria, Índia, Marrocos, Cazaquistão, Azerbaijão e Ruanda teriam espionado mais de 50 mil contatos de pessoas consideradas "de interesse". Entre os alvos estariam pelo menos 180 jornalistas de veículos como The New York Times, Financial Times, AP, Reuters, The Economist e Bloomberg.
Para ter acesso a informações privadas, seria utilizado o malware Pegasus, criado pela empresa israelense NSO e vendido para pelo menos 60 clientes de 40 países. O programa permite acesso a mensagens, inclusive criptografadas, fotos, vídeos, conversas por e-mails e ainda é capaz de acionar microfone e câmera dos aparelhos, de forma remota.
A lista dos alvos foi obtida pela Anistia Internacional e pela ONG de mídia independente Forbidden Stories, com sede em Paris. Os números dos potenciais espionados foram entregues aos 17 jornais, que passaram a investigar por conta própria e de forma independente a história.
Não é possível saber quantos dos 50 mil contatos, de fato, foram invadidos. A presença na lista indica a intenção de invasão. Uma perícia realizada por equipes de segurança da Anistia Internacional constatou que, de 67 smartphones, 23 foram infectados com sucesso e 14 apontaram tentativas de invasão.
Em nota aos jornais do consórcio, a empresa NSO informou que não poderia confirmar ou negar a identidade dos clientes (os governos dos países) e explicou que vende suas ferramentas para utilização exclusiva no combate ao terrorismo e ao crime organizado. No entanto, a descoberta da lista revela que governos podem ter utilizado o Pegasus para espionar adversários políticos ou quem essas autoridades identificarem como inimigos - por vezes, a imprensa independente.
Os nomes dos principais alvos serão divulgados ao longo da semana pelos veículos de comunicação que compõem o consórcio. Mas já se sabe, por exemplo, que familiares do jornalista saudita Jamal Khashoggi, morto depois de entrar no consulado saudita em Istambul, foram espionados - entre eles, a mulher do repórter. Também suspeita-se de que o governo húngaro, de Viktor Orbán, utilize o software para espionar potenciais inimigos do regime. Acredita-se que tenha utilizado a ferramenta na atual campanha de perseguição à imprensa independente.
O Brasil não aparece na lista dos governos. Mas, em maio, uma reportagem do portal UOL mostrou que o Ministério de Justiça e Segurança Pública abriu uma licitação para a compra de um software de espionagem, que chegou a contar com a participação da representante da Pegasus no Brasil. Na ocasião, criou-se uma situação de insatisfação entre militares que integram o Gabinete de Segurança Nacional (GSI) e a Agência Nacional de Inteligência (Abin) e o filho do presidente Jair Bolsonaro e vereador carioca Carlos Bolsonaro, que teria buscado intervir no edital para promover a aquisição do programa. Os militares foram deixados de fora das tratativas. Carlos Bolsonaro nega que tivesse envolvimento com a questão. A empresa israelense deixou a licitação.