Uma dentista de 26 anos chamada Gehad Hamdy foi responsável por estabelecer a ponte entre as denúncias de abuso contra o médico gaúcho Victor Sorrentino e as autoridades egípcias, que o detiveram no Cairo, a partir do vídeo publicado pelo próprio profissional em um bazar da cidade. Nesta segunda-feira (31), a mulher, fundadora da ONG feminista Speak Up, contou à coluna detalhes sobre o episódio.
Como vocês ficaram sabendo do episódio de assédio do cidadão brasileiro Victor Sorrentino a uma vendedora egípcia?
Cerca de 20 meninas brasileiras nos enviaram o vídeo com tradução em inglês dizendo que era viral no Brasil. E elas realmente ajudaram muito a explicar cada palavra do vídeo.
Ficou claro pra vocês que tinha conteúdo sexual?
Não. Não entendo português, mas perguntei a muitos amigos, e eles confirmaram.
Gehad envia a troca de mensagens dela com uma brasileira que traduziu para o inglês as frases do médico no vídeo. Em inglês, a interlocutora traduz da seguinte forma: "Você realmente gosta dos grossos, certo? Gosta de grossos e compridos né? (referindo-se aos órgãos genitais masculinos)". A mulher prossegue: "Ele fez uma piada de cunho sexual e ela, inocentemente, não entendeu, e continuou de forma polida. É como... se você está comendo um cachorro-quente e eu lhe pergunto: 'Huuuummmmm. você gosta de salsicha em sua boca?"
Depois de saberem do momento do abuso, quais foram os procedimentos adotados pela ONG com as autoridades egípcias?
Assim que tivemos 100% de certeza do incidente, escrevemos um post com todos os detalhes e o postamos em nossas plataformas (Facebook, Twitter e Instagram) e pedimos às pessoas que mencionassem as autoridades oficiais, como fazemos em todos os casos, pois seguem as redes sociais e levam esses casos a sério.
Como vocês contataram as autoridades?
Enviamos mensagens no Facebook e isso se tornou viral, assim elas souberam.
Vocês falaram com a vítima? O que ela disse? Ela entendeu o que estava acontecendo?
Não, não fizemos. De acordo com seus amigos, ela não sabia o que estava acontecendo até postarmos.
Quem no Brasil apoiou, informando sobre o vídeo do médico?
Muitas meninas e ativistas que eu nunca conheci antes.
Quando o episódio do vídeo ocorreu? E como foi a interação com as autoridades egípcias? Quanto tempo transcorreu entre a publicação e a detenção?
O vídeo foi publicado na conta de Victor cerca de cinco dias atrás, mas não sabíamos de nada até 29 de maio (sábado), quando postamos o incidente em árabe e em inglês, pedindo ao governo que tomasse medidas. Ele foi detido em menos de 24 horas após a postagem.
Episódios como esses são frequentes no Egito? Algum já envolveu brasileiros? Infelizmente, os incidentes de assédio são muito frequentes aqui, sim, mas pelo que eu sei é o primeiro brasileiro que é oficialmente acusado de assédio no Egito.
Você conhecia Victor?
Não.
Como está indo a luta das mulheres egípcias contra o assédio?
É uma batalha sem fim. As meninas estão se tornando mais fortes para tomar ações legais e apoiar umas às outras.
O que você espera que aconteça ao acusado? Que tipo de punição?
A punição por assédio sexual no Egito é pena de no mínimo seis meses de prisão até três anos, e uma multa de cerca de RS$ 997. Espero que ele seja multado e proibido de entrar no país novamente.
Como é o seu trabalho?
Sou dentista. Não ganho dinheiro com isso (com a ONG). Speak Up é uma organização sem fins lucrativos. Em julho passado, algumas pessoas (principalmente homens) começaram a falar sobre a ligação entre o assédio e as roupas dizendo que as meninas são o motivo do assédio. Escrevi um post na minha conta privada pedindo às pessoas que compartilhassem suas experiências com assédio sexual para provar que estavam erradas, recebi muitas mensagens e comentários, mais de 8 mil em dois dias. A maioria delas se sentiu melhor compartilhando suas histórias, mas outras precisaram de mais ajuda, apoio psicológico ou assistência jurídica ou ambos. Naquele dia, 6 de julho, iniciei a página na internet para ajudar qualquer vítima de violência e pedi ajuda a alguns amigos.