O descontrole da pandemia no Brasil é o golpe de misericórdia na imagem do país na arena internacional, já deteriorada pela diplomacia errática que contraria as tradições da Casa Rio Branco, pelos incêndios na Amazônia, e pela postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro já demonstrada em momentos anteriores de pico da covid-19.
Enquanto nações da Europa começam a sair do lockdown, à medida em que vacinação avança, e os Estados Unidos reabrem a economia, também graças ao avanço da imunização, o Brasil vê a curva ascendente de infecções e mortes e, como um avião desgovernado, mergulha no atoleiro das incertezas.
Nesses dois anos, em que o Brasil foi se isolando do mundo em parte graças a uma fidelidade automática à Casa Branca de Donald Trump, o país comprou briga com parceiros de negócio e aliados históricos, colocando em risco relações comerciais com países islâmicos e com a China elevando a ideologia acima dos interesses nacionais.
O olhar assombrado do mundo para o Brasil não é de hoje. Na história recente, começou com aquela que foi uma das mais emblemáticas capas da Revista The Economist, em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete em queda livre ("O Brasil estragou tudo?" era a manchete). Apesar de o impeachment de Dilma Rousseff ainda não estar no radar àquela altura, a Economist já via sinais de perigo no Brasil, citando as manifestações contra o governo e os escândalos da Lava-Jato. A imagem era uma referência a outra capa, de 2009, em que o monumento icônico fora transformado em uma nave em ascensão ("Brasil decola" era o título).
No auge dos incêndios na Amazônia, assunto mais imagético como notícia do que os sinais de decadência política e econômica, o retrato do país voltou a se deteriorar. O fogo na floresta estampou as capas de dezenas de jornais e portais internacionais. Reativo como de costume, o governo Bolsonaro atacou a imprensa e ONGs, culpou o "globalismo", apelou ao nacionalismo com cheiro de mofo da época da ditadura - "A Amazônia é nossa" - para acusar líderes internacionais de tentativa de ingerência interna. Como argumento não é sua especialidade, o presidente apelou para xingamentos pessoais e sexismo - como contra a primeira-dama da França, Brigitte, esposa do presidente Emmanuel Macron.
O descalabro brasileiro diante do coronavírus já havia se tornado notícia internacional em 2020, por conta da demissão de dois ministros da Saúde no auge da primeira onda e enquanto corpos eram depositados em valas em Manaus. Agora, seria apenas mais um grave e repetido drama interno, a ser observado e lamentado de longe pelos governos mundo afora.
Mas não é só isso. Hoje, o Brasil coloca em risco todos os esforços que governos fizeram até agora, nesse quase um ano de pandemia - a ser lembrado daqui a sete dias, em 11 de março, quando, 365 dias atrás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou crise sanitária global.
O Brasil é um risco ao planeta porque a transmissão descontrolada do coronavírus pode fazer o país celeiro de variantes - que não só podem comprometer a eficiência da vacina, algo ainda em estudo - como ultrapassar fronteiras, voltar a contaminar populações, obrigar a novos lockdowns e ameaçando economias - em um círculo vicioso.
Problemas como uma crise sanitária ou uma floresta que arde e polui transcendem os recortes territoriais que os políticos um dia passaram a chamar de fronteiras. A Amazônia é um assunto do Brasil - e do mundo. O vírus descontrolado por aqui e suas mutações, como atestam cientistas em dois dos mais influentes jornais do mundo, The New York Times e The Guardian, é problema nosso - mas transborda para o planeta.