Há várias lições a serem tiradas do recuo da chanceler Angela Merkel, que anunciou o novo fechamento do país para conter a terceira onda da pandemia, mas precisou, dois dias depois, anular as medidas.
A situação da covid-19 na Alemanha, como em toda Europa Central, é grave. O país vive uma ascensão gritante nos números de infectados, graças principalmente à variante britânica, responsável por 75% dos casos.
Paralelamente a isso, a vacinação patina: segundo ranking da Universidade de Oxford, a nação aplicou até agora apenas 13,66 doses para cem habitantes (é menor do que a Sérvia, Itália e Espanha e muito menor do que Chile, Reino Unido e Estados Unidos). Com relação aos vacinados totais - ou seja, que tenham recebido duas doses -, a situação é ainda pior. Só 4,24% da população está completamente imunizada, segundo outro ranking, da Universidade Johns Hopkins.
As causas dessa lentidão passam pela politização da vacina, a rixa com o Reino Unido, a geopolítica da imunização e pela dificuldade fabril de produção - tema para outra coluna.
O que fez o governo Merkel: a chanceler ia flexibilizar na segunda-feira (22) as medidas de restrição no país, há três semanas em confinamento. Mas, diante desse cenário preocupante, em vez de amenizar as medidas, estendeu o fechamento da economia até depois da Páscoa.
Criticada por praticamente todos os setores da sociedade alemã - infectologistas, epidemiologistas, empresários, religiosos e dentro do próprio partido CDU (conservador) -, a chanceler recuou e revogou a decisão.
Em princípio, a renovação do lockdown, única forma de conter a transmissão do coronavírus, tinha razão de ser e estava dentro da razoabilidade. Mas apenas boa intenção não basta, se não houver planejamento e execução baseada em dados técnicos.
O primeiro aspecto questionado por epidemiologistas foi com relação a fechar todas as lojas de 1º a 5 de abril, só permitindo sua abertura no sábado de Aleluia. Isso, na visão dos especialistas, poderia gerar um corre-corre nesse dia (ou antes do dia 1º), que provocaria aglomerações.
Outro questionamento: apenas cinco dias não são suficientes para conter o avanço do coronavírus – que o diga o Rio Grande do Sul, onde os reflexos de três semanas de bandeira preta só agora começam a ser sentidas, ainda timidamente, nos números de internações.
Industriais reclamaram que, sem diálogo prévio, não entenderam se os dias parados seriam tratados como feriado e quem arcaria com os custos. Entre os religiosos – católicos e protestantes –, as divergências se deram porque a Páscoa é a principal data do cristianismo. Apenas missas e cultos online estavam permitidos.
Por fim, a maior lição do episódio foi dada pela própria Merkel. Mesmo que o novo confinamento tenha sido acertado com todos os 16 governadores alemães, ela assumiu inteiramente a culpa.
– A responsabilidade final é sempre minha – disse.
É preciso grandiosidade para pedir desculpas.