Uma coisa é certa: só vamos ter alguma imunidade coletiva global quando muitos países tiverem aplicado as duas doses das vacinas contra a covid-19, exigência da maioria dos produtos administrados hoje mundo afora.
Nas últimas semanas, a coluna vem publicando o ranking da Universidade de Oxford (veja o mapa completo aqui ), com destaque para o número de pelo menos uma dose aplicada a cada cem habitantes.
Nessa perspectiva, como se sabe, Israel é o campeão mundial, com mais de 100% da população tendo recebido pelo menos uma injeção. Chile, Estados Unidos, Reino Unido e Sérvia também se destacam. A União Europeia como um todo patina, e o Brasil fica atrás de vizinhos como de Mercosul, como Argentina e Uruguai.
Mas se o que interessa para que atinjamos a imunidade coletiva são as duas doses, como estamos, como humanidade?
Um outro ranking, disponibilizado pela Universidade Johns Hopkins, permite um olhar aprofundado. Se o cenário dos países que estão administrando a primeira dose é preocupante devido à lentidão das campanhas, no caso das duas doses é ainda mais perturbador. Apenas Israel tem mais da metade da população totalmente imunizada (ou seja, com as duas doses) - 51,70%.
À frente, fica só o diminuto Gibraltar (68,37% imunizada com duas doses), território ultramarino britânico localizado na entrada do Mar Mediterrâneo, na ponta da Espanha, que aliás o reivindica. Na lista, fica claro que nações com pouco espaço territorial e população são beneficiadas _ em terceiro lugar, estão as Ilhas Seychelles (28,62% da população com duas doses), Emirados Árabes Unidos (22.72% com duas doses), depois vêm Mônaco (21,54%) e Ilhas Cayman (21,11).
Destaque no ranking de ao menos uma dose, o Chile também brilha na lista dos países "fully vaccinated", mesmo assim, com um percentual pequeno em se tratando da urgência da pandemia: 15,94% da população com as duas injeções. Os Estados Unidos, que nas últimas semanas vêm aumentando bastante a penetração das vacinas, aparece logo atrás, 12,74% da população tendo recebido duas doses.
A partir daí, o cenário é desolador. Depois da Sérvia, com 12,39% da população imunizada totalmente, todos os demais países e territórios aparecem com menos de 10% da população tendo recebido as duas doses. Inclusive as grandes e desenvolvidas nações europeias não conseguem avançar _ Alemanha, potência econômica e política da União Europeia, por exemplo, imunizou apenas 4,03% da população totalmente. O Brasil está em 49º lugar, com apenas 1,67% da população com duas doses.
Nos números absolutos, os Estados Unidos são o país com o maior número de pessoas vacinadas com as duas doses: 42,5 milhões. Muito atrás, a Índia é o segundo, com 7,8 milhões. Turquia é o terceiro, com 5,2 milhões. Israel em quinto, com 4,5 milhões. E o Brasil em sexto, com 3,5 milhões (lembrando que nossa população é de 209 milhões de habitantes).
Especialistas alertam, no entanto, que essa é uma doença nova. Os parâmetros utilizados para imunização coletiva no caso de outras epidemias não, necessariamente, se aplicam à covid-19.
- Imagina-se que 70% (da população imunizada) seria um número protetor, mas reforço que é uma nova doença com um agente diferente das outras - afirma o chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz.
O especialista afirma também que esse percentual é relativo. No caso da vacina da Janssen, farmacêutica da Johnson & Johnson, com uma dose já confere proteção entre 65% e 75%.
- Ainda temos muito de aprender e progredir com relação a essas vacinas e à covid-19 - pondera o professor responsável pelos estudos do imunizante.
O professor Alexandre Zavaski, também infectologista e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pondera que não se sabe se, nesse momento, se será obtida a imunidade coletiva.
- É bastante improvável, mesmo com esses índices de vacinação. Esses cálculos mudam muito porque são baseados em vários fatores, desde a durabilidade da proteção quanto do tipo de proteção que a vacina vai oferecer - destaca o pesquisador.
O especialista explica que sabe-se muito pouco sobre a eficácia contra a infecção - o quanto a pessoa vai se proteger de se infectar e não apenas de ficar doente. Para "imunidade de rebanho" (ou coletiva), é necessário ter o pressuposto de que a vacinação é efetiva para evitar a transmissão. E isso não se sabe até o momento.
- Imunidade coletiva pressupõe que algum não vacinado vai ficar protegido, simplesmente porque os que estão ao seu redor não irão contrair e nem transmitirão a doença. E isso, com as vacinas que temos, aparentemente, a gente não vai conseguir nesse momento - afirma.
O fato de não evitar transmissão não quer dizer que as vacinas não serão úteis, alerta Zavaski.
- Elas já são úteis. O fato de não sabermos se ela evita transmissão não quer dizer que não evite em algum grau a infecção: é muito possível que algumas pessoas vão conseguir formar o que é chamado de imunidade neutralizante, não invadir e nem transmitir doença - pondera.