País dos Bálcãs, fragmento da antiga Iugoslávia, a Sérvia disparou na vacinação contra a covid-19 e já registra maior número de doses aplicadas por 100 habitantes na Europa continental.
Segundo o ranking de Oxford, utilizado pela coluna, a nação registra nesta sexta-feira (26) 20,22 doses por cem habitantes - em toda a Europa, só o Reino Unido supera a Sérvia, com 28,57 doses por cem habitantes.
O país se aproxima dos Estados Unidos, que contabiliza até agora 20,63 doses por cem habitantes.
O avanço da Sérvia, que começou a campanha de imunização em 8 de janeiro, ocorreu nas últimas duas semanas. Em um mundo onde a imunização é muito lenta, pode-se dizer que foi de forma impressionante.
No domingo, dia 14, por exemplo, a nação registrava 14,50% da população imunizada. Subiu para 20,22%, nesta sexta, como citei - em 12 dias.
No ranking global, está em quinto lugar - além de Estados Unidos e Reino Unido, atrás também de Emirados Árabes Unidos e Israel, que lidera.
O sucesso sérvio é um case da geopolítica da vacina e de como a configuração de poder no planeta vem transitando do Ocidente para o Oriente.
A Sérvia não integra a União Europeia (UE). Por isso, não fica amarrada às políticas do bloco, que negocia de forma unida a compra e distribuição das doses e - ao mesmo tempo - paga o preço das dificuldades disso. Enfrenta, por exemplo, problemas de logística, falta de suprimentos e, principalmente, o descumprimento de contratos por parte dos laboratórios, que não entregaram as doses prometidas. Com problemas internos a resolver, a UE tem sido acusada de abandonar os vizinhos - aquelas nações europeias de fora do bloco.
A ausência da UE abriu um espaço político para a atuação de Rússia e China. Em outras palavras, jogou a Sérvia nos braços das duas potências emergentes.
A Rússia, diga-se de passagem, mantém influência nos Balcãs desde o final do século 19 - foi em nome dessa relação que o país declarou guerra ao Império Áustro-Húngaro em 1914 - e, agora, está disposta a disputar terreno com a UE, que ensaiou uma integração do país ao bloco em 2018, mas enfrenta ceticismo da população, divergências políticas que a pandemia só aprofundou e a rejeição, obviamente, do Kremlin, para o qual os Bálcãs são um colchão de proteção para o avanço da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Hoje, as nações dos Bálcãs estão mais distantes da UE.
A China é um ator novo no cenário. Viu no vácuo político deixado pela UE a oportunidade para estender influência. Pequim e Belgrado conduzem, nos últimos anos, uma aproximação progressiva, o que tornou a Sérvia um dos pilares de projetos econômicos chineses no continente, o principal deles One Belt One Road, conhecido como a Nova Rota da Seda. Durante a pandemia, a Sérvia recebeu apoio chinês com médicos e equipamentos de saúde.
O que isso tem a ver com vacina? Tudo. Sputnik V e o produto da Sinopharm chinesa são os principais imunizantes que a Sérvia comprou a preços menores do que outros países - há também em menor quantidade da Pfizer. O presidente conservador Aleksandar Vucic se vangloria das relações pessoais com Vladimir Putin e Xi Jinping.
- Escrevi a Xi em outubro, e o preço foi consideravelmente reduzido. Quando virem o preço, construirão um monumento em minha glória - afirmou, com a retórica populista que lhe é peculiar.
Na quinta-feira (25), um jornal sérvio afirmava: "Vucic, Putin e Xi estão em vias de salvar a Sérvia".
Ironicamente em um país que por décadas ficou famoso pela burocracia - em boa parte pela herança comunista, o processo de vacinação é rápido. Em um site do governo, o cidadão faz um cadastro e escolhe o produto com o qual deseja ser imunizado. Quando comparece a um centro de saúde, é examinado por um profissional de saúde e recebe a dose em um processo que não demora mais do que 15 minutos.
Segundo o banco de dados da Universidade Johns Hopkins, a Sérvia registra até sexta-feira (26), 4,4 mil mortos e 453,2 mil infectados pela covid-19.