O que Reino Unido, Espanha e Portugal viveram em janeiro em relação à covid-19 era um prenúncio de um final de março tenebroso sobre toda a Europa.
A vacinação lenta devido à falta de suprimentos, a rixas políticas e pela paralisação de alguns governos em relação ao produto de Oxford/AstraZeneca, ao lado do avanço das novas variantes, mais contagiosas, produziram um crescimento exponencial de casos em especial entre os membros da União Europeia (UE). A terceira onda obriga a novos confinamentos e abala a perspectiva de recuperação econômica.
O percentual de infecções em todo o bloco econômico cresceu 18% em relação ao período anterior. Foram 1,2 milhões de novos casos. Dos 27 países da UE, 20 enfrentam escalada nos números - desses, 15 estão com UTIs perto do colapso.
A nova onda obrigou a França a confinar de novo, desde sexta-feira (19), 21 milhões de pessoas - entre elas os moradores da capital, Paris, e de outros 15 departamentos. Na Itália, metade das 20 regiões do país estão de volta às restrições - inclusive Roma, Milão e Veneza. Polônia também fechou. A Alemanha, que esperava flexibilizar regras, após três semanas de confinamento, decidiu estender as medidas nesta segunda-feira (22) para, pelo menos, até abril. No país, 75% dos novos casos são da nova variante do coronavírus descoberta do outro lado do Canal da Mancha, no Reino Unido. O Instituto Robert Koch prevê um salto nos números nas próximas semanas _ um aumento de casos diários de até 40 mil na Páscoa (contra os 17 mil atuais), se nada fosse feito.
Um dos problemas é que a interconexão europeia favorece a proliferação de um vírus que se alimenta da globalização. Espanha e Portugal que viveram novos picos da doença no início do ano podem ver a situação voltar a piorar devido às condições dos vizinhos, em especial na França - com incidência de 500 casos por 100 mil habitantes em 14 dias - o triplo da Espanha. O Reino Unido é exceção: conseguiu conter a terceira onda com lockdown e acelerou a vacinação.
Dentro do bloco econômico (o Reino Unido saiu no ano passado), no entanto, a vacinação patina. Enquanto os britânicos já aplicaram uma dose em praticamente metade de sua população, na UE nem 15% das pessoas receberam a primeira injeção. Individualmente, a situação é muito lenta em algumas nações _ Itália, o país por onde a covid-19 chegou ao Ocidente, imunizou apenas 12,97%, França, 12,58%, Espanha, 12,82%, Alemanha, 12,5%.
A corrida pela vacinação virou um tema político na Europa, que tem prejudicado os esforços de combate ao vírus desde o início da vacinação. Vários países reclamaram que a AstraZeneca (que produz a vacina de Oxford) não forneceu a quantidade total de doses prometidas em contrato _ por falta de capacidade de produção, diz a empresa, por priorizar entrega ao país-natal, o Reino Unido (que teria pago mais), denunciam outros. Com relação ao produto da Pfizer/BioNtech, outra aprovada pelo regulador europeu, também há problemas de distribuição devido a adaptações para aumentar a capacidade das instalações _ problema que, nesse caso, também atinge o Reino Unido, que comprou 40 milhões de doses da farmacêutica.
Além disso, na semana passada, houve outro complicador. França, Espanha, Alemanha, Itália e mais uma dúzia de outros países interromperam o uso da vacina da Oxford/AstraZeneca, justificando como medida preventiva devido a possíveis ligações do medicamento com o surgimento de coágulos, mesmo contra o conselho das agências globais de saúde. Foi um atraso médio de quatro dias.
Os novos confinamentos abalam as perspectivas de crescimento econômico. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) da UE (todos os 27 membros) despencou 6,4% e 6,8% na zona do euro (região que adota o euro como moeda única). Enquanto nos Estados Unidos, Reino Unido, economistas projetam melhora das perspectivas, bancos como o Goldman Sachs, Barclays, ING reduziram as projeções. Estima-se, por exemplo, cada mês passado em lockdown resulta na redução de 0,3 ponto percentual no crescimento da zona do euro. E só os primeiros novos movimentos de confinamento já levam à redução da projeção de crescimento de 4,4% para 4,1% para 2021.