A escassez de vacinas e gargalos de distribuição de doses são um problema global na batalha contra a covid-19. O que nos difere por aqui, como América Latina, é que esses empecilhos são acompanhados por uma cultura de corrupção estatal e do cidadão comum, inoperância de governos, falta de dinheiro e de planejamento e uma visão obtusa da política, que prioriza alinhamentos ideológicos no lugar do pragmatismo necessário e saudável nas relações comerciais.
Enquanto 227 milhões de doses de algum tipo de imunizante já foram administradas em todo o mundo, apenas 13,9 milhões (6% do total) encontraram o braço de um cidadão ou cidadã na América Latina e Caribe, região que chora 26% dos mortos e 18% dos infectados pelo coronavírus. Com exceção do Chile, cujo desempenho na corrida pela imunização é fora da curva até na comparação com a União Europeia e países desenvolvidos da Ásia, os demais vizinhos não conseguem atingir no mínimo os dois dígitos de percentual da população imunizada. Barbados, segundo na lista na região, que aplicou 7 doses a cada 100 habitantes, é o que está mais perto disso. Fora esses dois, o resto patina entre 2,18 (Argentina), 2,07 (Panamá) e 1,85 (México) a cada cem habitantes. Pululam os casos de "zero vírgula alguma coisa". O Brasil até sábado havia aplicado 3,92 doses cada cem pessoas.
Das 33 nações que compõem a região, 17 ainda não começaram a campanha ou não têm dados divulgados publicamente, o que impede o escrutínio da imprensa, das próprias populações, de organismos internacionais e pesquisadores. O Uruguai, exemplo de combate ao vírus na primeira onda, só começa sua campanha de vacinação nesta segunda-feira (1º). Venezuela e sua tradicional falta de transparência divulga 0,01% da população imunizada há dias, mas, como se sabe, os dados são pouco críveis. Peru e Brasil avançam lentamente, enquanto estão mergulhados no epicentro do pior momento da pandemia até agora.
A receita de sucesso de nações que estão na ponta da corrida é conhecida - dinheiro investido pelos governos na compra de lotes, antecipação das negociações (Israel está conversando com os laboratórios desde junho, quando nem se tinha a vacina ainda) e pragmatismo de dialogar com todos, sem olhar para o aspecto ideológico do partido que administra a nação em cujo laboratório está sendo desenvolvido o imunizante. Na pobre América Latina, além de falta de dinheiro, atraso e alinhamentos que, além de não acelerarem processos, emperram negociações que deveriam fluir de organicamente - vide a questão brasileira com a China e os atrasos nos insumos -, há a corrupção endêmica.
No caso da vacina, esquemas de pessoas que passaram na frente de grupos prioritários se dão em nível governamental ou individual. Na Argentina, conseguiram montar uma central de imunização para operar dentro do Ministério da Saúde da Argentina. Nos grotões do continente, cidadãos comuns ou políticos de baixo escalão também tiveram acesso privilegiado aos produtos baseados no jeitinho. Há fura-filas de maior ou menor expressão do Rio Grande do Sul, a Lima, no Peru, passando por Dominica e Santa Lúcia, pequenas ilhas do Caribe.