A Índia começará a exportar vacinas contra a covid-19 nesta quarta-feira (20), mas não para o Brasil, que espera um lote de 2 milhões de doses já compradas. O primeiro carregamento irá para o Butão. No dia seguinte, outro lote, com a mesma quantidade de doses que o Brasil espera, irá para Bangladesh.
Dois interesses explicam a demora na entrega, que, pela previsão do governo federal, deveria ocorrer no final da semana passada. Um avião da Azul chegou a ser fretado pelo Ministério da Saúde para buscar o carregamento. Decolou de Campinas, mas ficou estacionado em Recife depois que a Índia deixou de confirmar o envio.
O primeiro interesse é doméstico. Como o país começaria a campanha de vacinação contra a covid-19 no sábado (16), o governo do primeiro-ministro Narendra Modi entendeu que pegaria mal iniciar a exportação do produto antes que sua população estivesse imunizada. Modi é um líder nacionalista e populista, que se inspira em Donald Trump, e não perderia apoio interno priorizando as vendas. Não seria exagero dizer que vale a máxima "India first".
O país é o segundo do mundo em número de infectados, atrás apenas dos Estados Unidos (10,5 milhões de doentes e 152 mil mortos). Ao mesmo tempo, é o maior produtor mundial de vacinas.
O governo indiano tem pedido discrição nas negociações para não passar uma mensagem indesejada a sua própria população - algo difícil, uma vez que o tema ganhou relevância política no Brasil, o avião da Azul foi adesivado com mensagens sobre a vacina e o impasse diplomático é assunto de várias reportagens na imprensa indiana.
O segundo interesse é externo. Claramente, a Índia está priorizando o chamado "entorno estratégico", termo das Relações Internacionais para caracterizar os "vizinhos". Depois de Butão e Bangladesh, os próximos a receber as vacinas devem ser Mianmar e Nepal.
Ao priorizar as nações próximas, a Índia projeta influência sobre esses países, em geral pobres e pequenos no tabuleiro mundial e equilibra poder com a China, o grande rival estratégico na região.
Os dois interesses do governo Modi fizeram o Brasil ficar no fim da fila, apesar de o primeiro-ministro indiano ser alinhado ideologicamente ao presidente Jair Bolsonaro e da parceria no grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Ironia: em meio ao impasse entre Brasil e Índia, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, que anda bastante ativo no Twitter nos últimos dias no cargo, postou nesta terça-feira (19) fotos dele com Bolsonaro e Modi. No texto, uma provocação: "Lembram BRICS? Bem, graças a @jairbolsonaro e @nadrendramodi o B e o I entenderam que C e R são ameaças a suas populações". Leia-se C como China e R como Rússia.