Dois aspectos da política internacional ajudam a explicar o "vem não vem" do primeiro lote de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, produzida na Índia.
O primeiro é o interesse nacional.
Uma das formas de governos se posicionarem no mundo é priorizando as demandas do seu próprio país em detrimento da colaboração, compartilhamento ou do socorro a outras nações. Essa visão preponderante da política internacional, em geral egoísta (ou realista, na teoria das Relações Internacionais), é adotada principalmente por líderes nacionalistas, como o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os presidentes Donald Trump (America First) e Jair Bolsonaro. Essa ideia justifica o pensamento "só vou emprestar (ou exportar, no caso das vacinas) depois que eu já tiver suficiente para mim".
Isso explica em parte a fala, durante a semana, do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Anurag Srivastava, que dá a ideia de que o Brasil se precipitou ao enviar o avião (que acabou estacionado em Recife, depois de decolar de Campinas) para buscar 2 milhões de doses.
- Você deve lembrar que o primeiro-ministro já afirmou que a produção e capacidade de entrega da Índia serão usados para o benefício de toda a humanidade para combater essa crise. (Mas) É muito para dar uma resposta específica sobre destinação para outros países enquanto ainda estamos analisando os cronogramas de produção e entrega. Tomaremos decisões a esse respeito no devido tempo, isso pode demorar - disse.
O segundo aspecto é que a política externa de um governo é fruto de constrangimentos domésticos.
Modi está pressionado pela crise sanitária sem precedentes em seu próprio país. A Índia é o segundo país com maior número de infectados do planeta - 10,5 milhões (atrás apenas dos EUA e à frente do Brasil). Foi vítima, como todas as potências em que a desigualdade social impera, da explosão de casos diante da impossibilidade de manter o maior e um dos mais rígidos confinamentos do globo.
O país começa a sua campanha de vacinação nacional no sábado (16). A imagem de um carregamento de doses do imunizante decolando do aeroporto de Mumbai para o Brasil antes disso pegaria muito mal para a popularidade do governo. Por isso, os indianos pediram para atrasar a remessa em um dia.
Brasil e Índia, além de integrantes do vilipendiado grupo dos Brics, têm governos aliados ideologicamente. Que ao menos essa proximidade faça a diferença para aparar as arestas que faltam para a chegada da vacina.