O dia 29 de dezembro de 2020, esta terça-feira, é duplamente histórico para a Argentina.
Primeiro porque, depois de amargar a mais longa quarentena do mundo e chorar 42,8 mil mortos pela covid-19, a nação, mesmo imersa em profunda crise econômica, dá exemplo de vontade política, coordenação e gestão que culminaram no início da vacinação de sua população contra o coronavírus. Podem haver dúvidas sobre a efetividade e a segurança da vacina russa, Sputnik V, mas o fato é que, hoje, os argentinos estão começando a ver luz no fim do túnel.
O mundo olha nesta terça-feira com especial atenção para a Argentina também porque, ao final deste dia, o país pode se tornar a primeira grande nação da América Latina a permitir interrupção voluntária da gravidez até a 14º semana. Não é pouco para um continente com tradição católica e, principalmente, na terra natal do papa Francisco.
Por enquanto, apenas Uruguai, Cuba, Guiana e Cidade do México reconhecem o direito de as mulheres de decidirem sobre seus corpos.
Na Câmara, em 11 de dezembro, a aprovação foi apertada: 131 votos favoráveis e 117 contrários. O Senado argentino é mais conservador. Dois anos atrás, já rejeitou uma iniciativa semelhante. Pouco mudou desde então em termos políticos na Casa.
Em 2018, o então presidente Mauricio Macri, de centro-direita, se opunha ao aborto, mas disse que não vetaria a escolha feita pelo Congresso. Desta vez, o atual líder, Alberto Fernández, kirchnerista, é a favor.
A luta de quem defende a medida não é nova no país no qual 370 mil abortos clandestinos são feitos a cada ano e onde dezenas morrem em consequências das práticas. Esta é a nona vez que o projeto é apresentado, mas, pela primeira vez, foi redigido e apresentado pelo governo.
A votação deve ser bem mais apertada do que na Câmara. Em caso de empate, o voto de minerva caberá à presidente da Casa, a atual vice-presidente Cristina Kirchner, que durante seu mandato na Casa Rosada não propôs a legalização do aborto, mas votou a favor do projeto, já como senadora, em 2018.
Ela e Fernández poderão acabar este dia idolatrados por muitos pelo acesso à vacina, mas odiados também por vários - em especial, pelos influentes setores católico e evangélico argentinos.