A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou nesta sexta-feira (11) a legalização do aborto no país. O projeto de lei ainda deve ser enviado ao Senado — que rejeitou iniciativa similar há dois anos.
A aprovação foi recebida com alegria por milhares de jovens com lenços verdes, símbolo da campanha a favor da legalização do aborto. A multidão passou a noite diante do Congresso, em Buenos Aires, à espera da votação no país de maioria católica e berço do papa Francisco. Separadas por uma barreira, manifestantes com lenços da cor azul, contrários à iniciativa, também aguardaram o resultado da votação, que receberam com frustração.
O projeto de lei, que permitirá o aborto até a 14ª semana de gestação, recebeu 131 votos a favor, 117 contrários e seis abstenções, de acordo com a secretaria da Câmara após uma sessão de 20 horas. A expectativa é de que o Senado examine o texto até o fim do ano.
A legalização do aborto foi discutida pela primeira vez no Parlamento argentino em 2018, durante o governo do liberal Mauricio Macri (2015-19), quando foi aprovada pelos deputados, mas rejeitada no Senado em meio a grandes manifestações de mulheres.
Este ano, a iniciativa de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE) foi apresentada pelo presidente de centro-esquerda Alberto Fernández como um modo de "garantir que todas as mulheres tenham acesso ao direito à saúde integral".
Durante a sessão, a deputada Ana Carolina Gaillard, da governista Frente de Todos, enfatizou que o "debate não é sobre aborto sim, ou aborto não, mas sobre aborto seguro, ou aborto inseguro", ao mencionar as mortes provocadas por interrupções clandestinas da gravidez — quase 3 mil desde 1983, segundo o presidente Fernández.
— Sou católico, mas tenho que legislar para todos. É um tema de saúde pública muito sério — declarou o presidente na quinta-feira (10).
Analistas de saúde calculam que a Argentina registra entre 370 mil e 520 mil abortos clandestinos por ano, com 39 mil internações a cada ano em centros de saúde pública.
Verdes contra azuis
— Acreditamos que as mulheres têm o direito a decidir sobre seu corpo. É importante que o Estado nos proteja. Que os legisladores que votam contra saibam que carregarão em suas mãos o sangue das mulheres que morrem por abortos clandestinos — disse Melisa Ramos, de 21 anos, diante do Congresso.
"Aborto legal já, gratuito e no hospital!", afirmam os cartazes.
Do outro lado de uma cerca, as azuis protestaram com o lema "Salvem as duas vidas!". Elas exibiram bonecos que representavam bebês com sangue.
"Toda vida conta", afirmavam os cartazes do grupo, com jovens tão entusiasmadas quanto as do lado verde.
Na Argentina, o aborto é permitido apenas em caso de estupro, ou de risco de vida para a mulher, segundo uma legislação vigente desde 1921. Se aprovar o aborto legal em definitivo, o país se unirá a Cuba, Uruguai, Guiana e Cidade do México, como lugares que permitem o aborto na América Latina.
Acompanhamento por mil dias
O governo fez gestos políticos para somar votos. O principal deles foi o envio de outro projeto de lei, o Plano de mil dias, destinado a apoiar economicamente mulheres de setores vulneráveis que desejam levar adiante a gravidez.
O projeto de legalização do aborto prevê a objeção de consciência individual e também de um estabelecimento de saúde, caso todos os médicos se posicionem contra. Haverá, porém, a obrigação de encaminhar a paciente para atendimento em outro hospital.