Que efeitos terá a mais longa quarentena ininterrupta do mundo em uma nação com o maior número de psicanalistas por metro quadrado e habituada a sucessivas crises econômicas é tema para seus exímios historiadores e escritores, outra característica dos hermanos. Com o humor ácido que lhe é característico, os argentinos já criaram até um apelido para o período de isolamento sem fim devido ao coronavírus: "quareterna".
Com a prorrogação do confinamento (o décimo primeiro) até 20 de setembro), a Argentina completará, nesse dia, seis meses de paralisia das atividades econômicas e proibições de sair às ruas. Os moradores da Grande Buenos Aires, epicentro do coronavírus, só podem deixar suas casas para ir ao mercado ou por motivos de saúde (farmácias, postos e hospitais).
O governo de Alberto Fernández registrou o primeiro caso de covid-19 em 3 de março. A primeira morte no país ocorreu quatro dias depois. No dia 20 daquele mês, a Argentina se fechou. E lá se vão cinco meses e alguns dias. Ao prorrogar a quarentena, na semana passada, Fernández, que está sob intensa pressão popular, afrouxou um pouco o rigor das medidas – eu disse um pouco. Permitiu reuniões de até 10 pessoas ao ar livre, com uso obrigatório de máscaras e respeitando distância mínima de dois metros entre si. Aglomerações em espaços fechados seguem proibidas. Quem sair de carro pode ter a habilitação cassada, e, no transporte público, só é permitido deslocamento de trabalhadores de serviços considerados essenciais. Desde segunda-feira, também restaurantes e bares foram reabertos e algumas obras da construção civil, retomadas.
No amplo arco de como as nações lidaram com a pandemia, há várias nuances: a Suécia é o exemplo mais conhecido de quem optou por deixar os cidadãos decidirem por si se ficariam ou não em casa. Há os que se fecharam duramente e reabriram aos poucos, como o Japão, a Nova Zelândia e a Alemanha. Há também territórios onde não houve lockdown, mas uma recomendação para que ficassem em casa – caso do Brasil em geral e do Rio Grande do Sul em particular. Existem os que tentaram se fechar, mas não conseguiram diante do caos econômico e das dificuldades em manter parada uma massa de trabalhadores informais – Índia e Peru, por exemplo. Mas em nenhum lugar, à exceção da Argentina, um país se fechou e não se reabriu.
O resultado sanitário: o país registra até agora 428.239 infectados (é o 10º no mundo) e 8.971 mortos (o 18º no planeta, à frente de Canadá, Alemanha e Bélgica), segundo a Universidade Johns Hopkins. Para efeitos de comparação – e, em se tratando de Brasil e Argentina, a rivalidade existe até nesse caso –, são 193 mortes por milhão de habitantes, contra 572 por aqui.
Outros indicadores, entretanto, revelam que a Argentina, que já vivia uma crise econômica profunda antes da pandemia, caminha para uma tragédia. Milhares de pequenas e médias empresas fecharam – 22% entre as que cerraram as portas na capital, não irão reabrir. Em todo o país, são 42 mil negócios quebrados. O Produto Interno Bruto (PIB) deve sofrer uma retração de 12% ao ano. A inflação chega a 55%. O dólar, moeda que costuma colocar e tirar presidentes da Casa Rosada, que o diga Mauricio Macri, bate em 75 pesos.
No aspecto emocional, os argentinos também estão sentido os reflexos da "quareterna". Segundo um estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires (UBA), dois terços dos hermanos têm problemas com o sono. Quase metade dos pesquisadores disseram estar ingerindo mais álcool. Outra pesquisa, do Instituto de Neurologia Cognitiva (Ineco), concluiu que de cada 10 jovens, oito apresentam sintomas de depressão e ansiedade. No caso dos adultos, é seis em cada 10, mas os resultados são cinco vezes mais altos do que os registrados antes da pandemia.
O presidente Fernández tem defendido a rigidez – e a longevidade – do confinamento, argumentando que, se houver descuido, não há sistema de saúde que aguente. Está disposto a pagar o preço de destruir - ainda mais - a economia, mas salvar o máximo de vidas possível, apesar do esgotamento social.
Não se sabe se haverá nova prorrogação do isolamento (que seria o 12º) ou não no dia 20 de setembro. A depender das curvas epidemiológicas, a "quareterna" vai durar mais. Ambas, que indicam infecções e óbitos, seguem ascendentes.