Uma das maneiras mais realistas - e, por vezes, cruéis - de se analisar o impacto da pandemia em um território é deixar de lado a coluna do total de pessoas infectadas e mortas por coronavírus e debruçar-se sobre o número de óbitos em relação ao tamanho da população. Isso permite comparar nações com tamanhos diferentes, como Brasil e Uruguai, ou Rússia e Suécia.
Quando se observa a proporção de mortes em relação à população, os holofotes saem de Estados Unidos, Brasil, Índia, México e Reino Unido, os campeões no macabro ranking dos óbitos, e são direcionados ao Peru.
Proporcionalmente ao número de habitantes, nenhum país do mundo registrou mais mortos por covid-19 do que o Peru. São 86 óbitos por 100 mil habitantes, superando a Bélgica, 85,5 por 100 mil (não estou contabilizando aqui territórios minúsculos, com população muito pequena, como San Marino). Em termos absolutos, o país latino-americano, com 34 milhões de habitantes, é o nono com mais mortos e o quinto com mais infecções.
Mas por que a nação andina, que parece ter feito tudo certo desde que a pandemia cruzou o Atlântico - uma das quarentenas mais rígidas do mundo, suspensão de aulas e fechamento de fronteiras - lidera o ranking mais cruel, que costuma escancarar o estrago provocado pelo coronavírus? São muitas as razões, mas a principal delas talvez seja comum a países em desenvolvimento: a pandemia revelou, em oito meses, a tragédia da desigualdade social.
Antes da covid-19, o Peru vivia uma crise política que era resultado de décadas de escândalos _ todos os últimos cinco presidentes, desde 2000, estão sob investigação por corrupção. O saque no poder público, como se sabe, resulta em carência para a população: falta investimento em educação, saúde e segurança. Mas fiquemos apenas na saúde, que é o que interessa para o caso. O Peru gasta 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor. É muito pouco. Mesmo o Brasil, onde os problemas são visíveis, investiu 9,2% do PIB, segundo dado de dezembro de 2019.
No caso peruano, quando a pandemia chegou, havia outros agravantes. O país tinha apenas 3 mil leitos em hospitais e cerca de 100 para tratamento intensivo. Sem uma rede para receber doentes com sintomas em postos de saúde, o atentimento de casos suspeitos de covid-19 foi concentrado nos hospitais, quando o quadro da doença já estava avançado. Ou seja, tratava-se o paciente quando já era tarde demais.
O país também apostou em testes rápidos (sorológicos), quando, o mais indicado, segundo infectologistas, é a análise molecular (RT-PCR). Para esse tipo de exame, o Peru só contava com um laboratório capacitado.
Esse cenário mudou de uns meses para cá – houve aumento considerável de leitos de UTI e novos laboratórios foram desenvolvidos. Mas todo o esforço do governo, que, admita-se, tem sido transparente ao divulgar números tão duros, só terá resultados a médio prazo. Uma das cenas que ficam do país na pandemia será a de filas de cidadãos em busca de tanques de oxigênio, insumo que faltou nos hospitais. A situação foi tão agonizante que os médicos pediram que as pessoas levassem seus próprios tanques para familiares, que não conseguiam respirar – o que alimentou um mercado ilegal, fez os preços dispararem e foi determinante para viver ou morrer de coronavírus.