É de se duvidar que o presidente Jair Bolsonaro teria reconhecido antes a derrota de Donald Trump e parabenizaria o eleito Joe Biden nos Estados Unidos, mesmo se não tivesse sido mal orientado pelo embaixador brasileiro nos Estados Unidos, o gaúcho Nestor Forster, como revela nesta quarta-feira (16) o jornal O Estado de S. Paulo.
Além do círculo familiar americanófilo (entre eles o deputado federal e ex-indicado a embaixador Eduardo Bolsonaro) e do setor ideológico trumpista/olavista dentro do governo, o próprio Bolsonaro se tem como amigão de Trump (basta lembrar o "I love you" que dirigiu ao americano na primeira oportunidade de um encontro na Assembleia Geral da ONU, em 2019).
Não, o presidente não teria mudado muito a lógica de atrasar o máximo possível o reconhecimento da vitória democrata. Foram 38 dias de silêncio do Planalto em relação ao processo eleitoral nos Estados Unidos, o segundo parceiro comercial brasileiro.
Embora coerente com sua fidelidade a Trump, ainda assim, é lamentável que o presidente da República tenha sido orientado pelo funcionário que ocupa o principal posto da diplomacia brasileira com base em uma narrativa falsa, criada pelo republicano e seus principais assessores, entre eles o advogado e ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, e por integrantes da alt-right que circundam a Casa Branca, pupilos de Steve Bannon.
Essa narrativa está impregnada no subtexto das mensagens enviadas pelo embaixador a Brasília, conforme os documentos a que o Estadão obteve via Lei de Acesso à Informação (LAI).
A primeira delas é questionar a lisura do pleito, algo que Trump vinha fazendo ao longo de de todo o processo eleitoral. Quando o democrata se aproximava de vencer, o discurso de Forster passou a ser apostar na esperança de uma virada de mesa, baseada nas estreitas margens, que "tornam quase certos processos de recontagens e ações judiciais adicionais". O embaixador também afirma que a campanha de Trump "já robustece sua assessoria legal para promover a recontagem nos Estados-chave e ações judiciais relativas a percebidas irregularidades e denúncias de fraude na apuração de votos".
Ora, as análises de Forster traziam uma visão parcial da história, diziam o que Bolsonaro queria ouvir: relatos sem fontes confiáveis, baseados em "ter ouvido falar" sobre "tráfico de cédulas eleitorais" e critérios de segurança "insuficientes". O Estadão revela ainda que o embaixador só relatou em 12 de novembro que o Reino Unido, a Alemanha e a França tinham reconhecido a vitória de Biden. Na verdade, desde o dia 7, esses governos já haviam parabenizado Biden.
Nenhuma das ações de Trump na Justiça, alegando irregularidades, foi levada adiante pela Justiça americana. E, em nenhum momento, os republicanos mostraram provas das supostas irregularidades.
Não surpreende que Forster tenha embarcado nessa onda de desinformação, como amigo de longa data do escritor Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, e de altos funcionários, como o chanceler Ernesto Araújo e o assessor Filipe Martins. É possível que ele próprio acreditasse na novela de faz-de-conta da fraude eleitoral.