O que a revista Time diz costuma virar símbolo de um tempo, o retrato de um ano, de uma década ou de uma era.
Pois bem, a publicação que chega às bancas americanas em 14 de dezembro trará o 2020 riscado em vermelho, acompanhado do subtítulo: "O pior ano de todos os tempos".
O texto é assinado pela escritora e crítica de cinema Stephanie Zacharek.
Ela explica: "Meu trabalho como crítica de cinema é olhar os filmes e descobrir suas conexões com o mundo e com nossas vidas. Se 2020 fosse um filme distópico, você provavelmente desligaria depois de 20 minutos".
Entendo o argumento: estamos vivendo a pior pandemia em um século, com muitos líderes que distorcem a realidade, negando a gravidade do coronavírus, alimentando teorias de conspiração - especificamente, em seu texto, a autora fala de Donald Trump.
Mas, com todo o respeito, como humanidade, já vivemos tempos bem piores. Por isso, discordo da Time ou de Zacharek, que ou por necessidades mercadológicas ou por ideologia precisou ser tão definitiva.
Para ficarmos apenas no século 20, o mundo viveu a Primeira Guerra Mundial, a gripe espanhola, a grande depressão, a ascensão do nazismo, a solução final do Holocausto, a Segunda Guerra. Foram milhares e milhares de mortos em conflitos, o sofrimento descarnado e havia também não apenas autoridades que negavam a realidade como a construíam da pior forma possível. Para fazer o mal pelo mal.
2020 virou nossa vida de pernas para o ar - e o de milhões de famílias que tiveram o horror do coronavírus dentro de suas casas. São 1,5 milhão de mortos, segundo a Universidade Johns Hopkins, 176 mil só no Brasil.
Não se trata de minimizar a tragédia, mas de colocá-la em seu lugar na história.
O próprio texto relativiza: já houve anos piores nos EUA, e certamente anos piores na história mundial, mas a maioria de nós vivos hoje não viu nada parecido com este (ano). Você precisaria ter mais de 100 anos para se lembrar da devastação da Primeira Guerra Mundial e da pandemia de gripo de 1918; cerca de 90 para ter uma noção da privação econômica causada pela Grande Depressão, e em seus 80 anos para reter qualquer memória da Segunda Guerra Mundial e seus horrores.
O problema é que, como jornalista, sei que títulos e capas precisam resumir. Ser interessante, por vezes, categóricos.
Mas a história dispensa definitivos. Não é necessário ser definitivo. Para que eleger o pior ano, se cada tempo tem suas próprias tragédias?
O pior ano de todos é aquele que, para nós, foi o pior.