O presidente Jair Bolsonaro "sobe" pela segunda vez na história à tribuna da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta terça-feira (22), cumprindo a tradição que concede ao Brasil, pelos méritos do gaúcho Osvaldo Aranha, a primazia de abrir a sessão anual.
Tinha tudo para ser uma semana histórica, com a celebração dos 75 anos da entidade internacional. Mas o palco principal da ONU, no prédio às margens do East River, em Manhattan, só não estará vazio porque o presidente americano, Donald Trump, deverá falar de lá. Todos os demais chefes de Estado e de governo irão se pronunciar de forma virtual - Bolsonaro, por exemplo, gravou o discurso na quarta-feira (16) e o conteúdo já foi enviado a Nova York.
O aniversário da ONU, uma instituição erigida das cinzas da Segunda Guerra Mundial, com a ambição de corrigir os erros da Liga das Nações e evitar um terceiro conflito de proporções globais, será ensombrecido pela pandemia, pela guerra (por enquanto apenas comercial) entre Estados Unidos e China e pela ascensão de governos (e movimentos domésticos) que questionam a própria existência do sistema multilateral - aliás, Bolsonaro, abre a assembleia de um órgão que ele próprio e o chanceler Ernesto Araújo desqualificam.
Já não há, como no primeiro discurso, no ano passado, curiosidade do mundo a respeito do governo brasileiro. O presidente falará para uma plateia internacional que se acostumou a ler, nas manchetes dos principais jornais internacionais, notícias negativas sobre o Brasil.
Nas publicações com tendência conservadora (como Financial Times e Economist) ou progressista (Libération, Le Monde), a comunidade internacional viu fotos da Amazônia e do Pantanal em chamas e observou covas para vítimas do coronavírus sendo abertas no segundo país com maior número de mortos pela doença; também leu frases de um presidente que negou a gravidade da covid-19 e protagonizou uma crise interna que resultou na saída de ministros no auge do maior desafio da gestão de saúde mundial em cem anos.
A imagem do Brasil como um país campeão da proteção do ambiente, pacífico e partícipe dos grandes concertos internacionais sofreu forte erosão nos últimos meses. O país que chega à ONU está mais isolado no sistema internacional - restaram poucos amigos, que hoje não cabem em uma mão: os EUA de Trump, a Hungria de Viktor Orban e Israel de Benjamin Netanyahu, entre os principais.
No discurso do ano passado, Bolsonaro tratou de reafirmar a soberania sobre a Amazônia, e de propor, nas entrelinhas, a refundação da política externa. Foi agressivo em determinados pontos, na visão de críticos - algo que aliados consideraram apenas contundência.
Este ano, o presidente deve tentar reparar os danos à imagem nacional - a questão ambiental estará no foco do discurso muito mais do que o coronavírus. Será uma fala mais morna, ainda que com alguns toques contra o chamado globalismo.
No tema Amazônia, irá imprimir uma contra narrativa. Deve dizer que tem tolerância zero com a ocorrência de crimes ambientais e afirmar que está comprometido com a sustentabilidade da floresta. Como forma de demonstrar a importância que supostamente dá ao assunto, irá explicar que determinou ao vice, Hamilton Mourão, que lidere o Conselho Nacional da Amazônia - o general é respeitado internacionalmente, como ex-adido militar (entre 2002 e 2004, no primeiro mandato do governo Lula) na Venezuela e é fiador da relação do Planalto com a China. Esse capital deve ser aproveitado agora na questão ambiental.
O presidente também deve se mostrar aberto à colaboração internacional, ao contrário de ocasiões em que rechaçou ajuda financeira para proteção da floresta, após críticas da chanceler alemã, Angela Merkel, e do francês Emmanuel Macron.
Sobre a pandemia, Bolsonaro deverá dizer que nenhum país do mundo enfrentou a covid-19 melhor do que o Brasil: equilibrando supostamente combate à doença sem o fechamento da economia. O argumento será de que o governo federal criou um grande colchão de proteção social com o auxílio emergencial.
Há orientação para que Bolsonaro seja pragmático na fala. A questão ambiental corre risco de provocar danos à economia. No mundo atual, bem diferente daquele de 1945, quando a ONU foi criada, a agenda de proteção ao ambiente é tão fundamental quando o desenvolvimento econômico.
Também pode-se esperar certa moderação na fala. No texto preparado para o discurso, há a sugestão para que Bolsonaro expresse condolências às famílias vítimas do coronavírus e agradeça os esforços dos profissionais de saúde brasileiros. O presidente não costuma fazer esse tipo de referência. Se o fizer, ganhará pontos interna e externamente.