Preso nesta quinta-feira (20), acusado de fraude ao levantar dinheiro para uma campanha de apoio à construção de um muro entre os Estados Unidos e o México (uma das principais promessas não cumpridas de Donald Trump), Steve Bannon é o homem que construiu a candidatura do empresário americano transformado em presidente. Bob Woodward começa seu livro "Medo" ("Fear"), a melhor biografia dos anos Trump na Casa Branca, com a descrição de um encontro, em agosto de 2016, quando o então candidato republicano estava mais de 10 pontos atrás da rival democrata Hillary Clinton.
O bilionário sentia o descrédito dos caciques do partido e era abandonado até pelos seus assessores mais próximos. Então, Trump foi apresentado a Bannon, à época editor de um site ultraconservador chamado Breitbart News e um dos principais fomentadores, nos bastidores, do Tea Party, ala mais à direita do Partido Republicano. Foi Bannon quem mostrou a Trump a ideia de que o americano comum estava cansado dos políticos tradicionais, que falavam "difícil" (como Barack Obama e Hillary). Queriam líderes de carne e osso, que se comunicassem na "linguagem da população", desprezassem o "politicamente correto" e colocassem a nação acima dos interesses internacionais - o que, em sua visão, é parte do chamado globalismo.
Bannon encontrou em Trump um homem capaz de encarnar esse personagem. O diretor de cena achara um ator, como descreve Woodward, em seu belo livro.
A estratégia de campanha mudou sob a batuta de Bannon e, de uma corrida perdida, Trump se transformou no 45º presidente americano. E Bannon se tornou o símbolo da chegada do pensamento ultraconservador a Washington, renovado pelo termo Alt-right (direita alternativa).
Seu reinado como eminência parda no Salão Oval, onde muitas vezes era mais poderoso do que os secretários (equivalente a ministros nos EUA) durou oito meses. Divergências com o genro de Trump, Jared Kushner, o levaram a sair. Bannon, então, passou a se dedicar a estender o sucesso de sua estratégia eleitoral para além das fronteiras americanas: o ex-vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, na Itália, o primeiro-ministro Viktor Orbán, na Hungria, e o presidente Jair Bolsonaro, no Brasil, bebem de suas falas enérgicas e ideias.
Bannon tentou dar forma a seu The Movement, um movimento conservador que uniria líderes nacionalistas mundo afora. Buscou até criar uma universidade, em um mosteiro de Trisulti, construído em 1204 a sudeste de Roma. Era uma ideia de expandir o movimento para a Europa. Os contatos com a Liga, partido de Salvini, se multiplicaram. A Itália era a espinha dorsal da estratégia populista - ou soberanista, para os adeptos. Mas o plano não foi adiante desde que o Ministério da Cultura italiano revogou a licença de Bannon – não por questões ideológicas –, mas porque o movimento não pagou as taxas necessárias para ocupar o local.
No caso brasileiro, Bannon não trabalhou na campanha de Bolsonaro. Mas não esconde o entusiasmo com o presidente. O ex-estrategista de Trump conheceu o deputado Eduardo Bolsonaro em 2018, antes da eleição no Brasil. A partir dali, os dois se aproximaram e costuraram um encontro, na casa de Bannon, em Washington, em janeiro de 2019, para que o americano conhecesse Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
Bannon, com quem Eduardo e Olavo mantêm agora relações mais frequentes, costuma dizer que a nova esquerda ocupa meios de pensamento, implementando um projeto de aniquilação da cultura ocidental cristã ao impor temas como feminismo ou o que chama de gayzismo (termo pejorativo para se referir às causas LGBT+), além do ambientalismo e do multiculturalismo. Um dos objetivos, segundo essa visão, seria reduzir "valores da família e da pátria e os ideais cristãos".
Antes do discurso de Bolsonaro nas Nações Unidas, no ano passado, acredita-se que a fala do presidente tenha sido ajustada em uma reunião entre o deputado federal, o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Flilipe Martins, e Bannon. Na tribuna internacional, chamou a atenção as semelhanças entre as narrativas de Bolsonaro e Trump com críticas ao globalismo, ao socialismo, às ONGS e aos regimes cubano e venezuelano - características do enredo de Bannon. Antes do pronunciamento, Bolsonaro também jantou com Bannon e Olavo de Carvalho.
Mesmo fora da Casa Branca desde 2017, ele continuou influenciando setores do governo americano. É dele, por exemplo, as primeiras ideias de que a China teria sido responsável, de forma proposital, por espalhar o coronavírus - adotada por Trump e por outros governantes. Bannon deu uma entrevista específica a um site ultraconservador em que defendia a tese, retroalimentado por posts de diversos seguidores no Facebook e por meio de mensagens no WhatsApp. As falas de Bannon costumam reverberar na extrema-direita mundial. O estrategista também já integrou o conselho da Cambridge Analytica, a consultora acusada de acessar e usar indevidamente dados de milhares de usuários do Facebook para disseminar mensagens que ajudaram Trump a se eleger em 2016.