Todas as eleições nos Estados Unidos são importantes: George W. Bush x Al Gore, em 2000, daria o tom do mundo pós-11 de Setembro; Bush x John Kerry, em 2004, prolongaria o atoleiro americano no Afeganistão e no Iraque; Barack Obama x John McCain, em 2008, colocaria na presidência o primeiro negro da história do país; Obama x Mitt Romney, em 2012, passaria um pouco despercebida em meio à crise econômica e a uma reeleição previsível; Donald Trump e Hillary Clinton, em 2016, inauguraria a era da pós-verdade elevado ao poder um outsider.
Nenhuma, entretanto, foi tão decisiva para o chamado destino da nação - algo de que os americanos tanto se orgulham - quanto será a do próximo dia 3 de novembro.
O discurso de Obama na quarta-feira (19) à noite, penúltimo dia da convenção democrata, traz indícios de por que esse será um pleito em que os eleitores deverão decidir sobre dois modelos diametralmente opostos do que pensam para o futuro do seu país. No campo doméstico, os americanos precisarão escolher se identificam-se como uma nação de brancos, protestantes, cristãos, que falam inglês, ou se acreditam um país multiétnico, forjado por migrantes de várias partes do mundo, multilíngue. No campo externo, se optam por ser uma nação internacionalista, que ajudou a erigir a ordem global pós-Segunda Guerra, financiando e participando de organismos multilaterais ao lado de aliados, ou se um reino fechado no nacionalismo e no isolacionismo. No fundo, é uma questão de identidade e valores que opõem Joe Biden e Trump.
Presidentes dos EUA quando deixam a Casa Branca ingressam em um clube informal, quase mitológico dos "ex", daqueles que um dia governaram a mais poderosa economia e potência militar do planeta. No olimpo de quem um dia foi comandante-em-chefe da nação, não se permitem cair nas disputas comezinhas da política partidária. De lá, descem apenas em ocasiões em que a democracia está em perigo.
É provavelmente o que se auto-imprimiu Obama ao fazer o discurso de 20 minutos na convenção, na quarta-feira. Ele rompeu com a tradição de sobriedade dos "ex", assumindo ataques duros contra Trump, direta e indiretamente. Diretamente quando quando citou o rival explicitamente em várias ocasiões.
- Nunca esperei que meu sucessor adotasse minha visão e continuasse minhas políticas. Eu esperava pelo bem de nosso país que Donald Trump pudesse mostrar algum interesse em levar o trabalho a sério, que ele pudesse sentir o peso e descobrir alguma relevância pela democracia que havia sido colocada sob seus cuidados - disse, antes de acusar o atual presidente de governar como quem apresenta um reality show.
Obama é um homem de símbolos. A começar pela escolha do local de onde fez o vídeo: a Filadélfia, palco da confecção da Constituição americana, que ele vê ameaçada sob Trump. Com tom sério e professoral, o ex-presidente passou a limpo a história dos EUA, abrangendo os Pais Fundadores, o Movimento de Direitos Civis e a herança deixada pelos imigrantes europeus. Em seguida, fez um chamado aos jovens para "salvar suas liberdades, assim como seus ancestrais fizeram sempre que a promessa do país estava em perigo".
Enquanto Obama falava no horário nobre, Trump tuitava na Casa Branca, com letras maiúsculas, lançando acusações sobre Obama, sem citá-lo, mas referindo-se ao rival apenas como "ELE".
Obama elevou a disputa entre Biden e Trump a outro patamar. Em 3 de novembro, não estarão em jogo apenas os quatro próximos anos de mandato. Os americanos precisarão decidir quem eles são - ou quem querem ser - dentro de suas fronteiras e perante o mundo.