O impasse nas negociações entre Estados Unidos e Rússia para a renovação do Novo Start, último acordo de limitação de armas nucleares ainda em vigor, revela como o mundo atual é muito mais complexo e perigoso do que aquele pautado pelo equilíbrio de poder dos tempos da Guerra Fria.
O tratado, assinado em 2010, entre os então presidentes Barack Obama e Dmitri Medvedev, limitava a posse de 1.550 ogivas nucleares prontas para o uso para cada lado e de 700 meios de transportá-las até o alvo (aviões, submarinos ou mísseis lançados a partir da terra). Atualmente, ambos estão violando o tratado: os EUA têm 1.750 em prontidão, e os russos, 1.572. Se contarmos os estoques, são bem mais: 5.800 do lado americano e 6.375 do lado russo. O acordo expira em 5 de fevereiro de 2021.
O principal ponto de desacordo na reunião entre os representantes dos dois lados, em Viena, esta semana, é a insistência do governo Donald Trump em trazer a China para a discussão. O argumento americano é razoável: a rápida ascensão do gigante asiático no cenário global, e seu poder bélico - uma amostra veio a público durante a parada do 1º de Outubro, no ano passado. Entretanto, mesmo com toda a força de seu arsenal, a China ainda representa uma pequena porção no clube das potências atômicas - teria 300 ogivas nucleares.
Mesmo que 90% das armas atômicas do mundo estejam nas mãos de americanos e russos, acordos bilaterais, como o Novo Start, não representam o cenário difuso das forças no tabuleiro global do século 21 e no qual há novos atores influentes. Estão de fora do tratado França e Reino Unido, os outros dois integrantes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (além da China, Rússia e EUA), e países relativamente recém-chegados ao clube, como Índia e Paquistão. Sem falar de Israel, que não admite possuir armas nucleares, e a Coreia do Norte, um problema à parte.
Há um clima de desconfiança no ar, minado pela guerra comercial entre EUA e China. E por interesses divergentes. Chamar a China para a mesa pode ser apenas pretexto do governo americano para abandonar o tratado - Trump já deixou o acordo que limitava o uso de mísseis de alcance intermediário (INF, Tratado de Forças Nucleares de Alcance Médio, na sigla em inglês) e suspendeu outro que permitia voos mútuos de verificação de instalações militares (Open Skies, Céus Abertos). A não renovação do acordo deixa o mundo muito mais perigoso, porque não haveria mais qualquer regime legal de limitação ao uso de armamentos nucleares. Novas rodadas de negociação devem ocorrer nos próximos meses.
Do lado russo, tampouco há transparência: o presidente Vladimir Putin tem expandido as capacidades nucleares do país, modernizando armas estratégicas, como a introdução de mísseis hipersônicos e inovando seu arsenal, com os testes chamado "torpedo do Juízo Final", uma espécie de drone submarino com alcance de 10 mil quilômetros.