Nas últimas semanas, tenho escrito reportagens e colunas sobre como o Uruguai se tornou exemplo de contenção do coronavírus no Cone Sul. Ouvi especialistas, professores e cidadãos uruguaios e brasileiros que moram do outro lado da fronteira para explicar como o pequeno país latino-americano conseguiu essa façanha. Mais de seis meses desde que o coronavírus surgiu na China, o Uruguai registra 859 infectados e 25 mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
As explicações são várias, como você pode ler na reportagem "Sem quarentena obrigatória nem brigas políticas: como o Uruguai domou o coronavírus": reação rápida, isolamento do Exterior, suspensão de aulas, conscientização da população, características demográficas, economia, entre outras.
Mas nesta segunda-feira (21), o alerta soou em Montevidéu. Quando o país estava. ao que parecia, na reta final para se declarar livre da covid-19, a quantidade de casos ativos triplicou nos últimos dias, em especial por conta de um foco que colocou em quarentena mais de 200 pessoas, entre elas 90 profissionais de saúde.
O que há com o Uruguai? Você deve estar se perguntando. Até quinta-feira, o país registrava 12 pacientes com o vírus e apenas quatro hospitalizados. Mas, desde domingo, o total de infecções chegou a 37, segundo o Sistema Nacional de Emergências.
O foco está na cidade de Treinta y Tres, departamento que faz fronteira com o Brasil, onde foram detectados novos infectados desde sexta-feira e há 33 diagnósticos à espera dos testes. O surto levou as principais autoridades do país a Treina y Tres e o presidente Luis Lacalle Pou a admitir que houve relaxamento por parte dos uruguaios.
A primeira reação é questionar: o aumento dos casos no Rio Grande do Sul (e no Brasil) contribuíram para a mudança no cenário uruguaio?
Tudo indica que não. O departamento de Treinta y Tres faz fronteira com o RS, mas é um limite geográfico por via aquática (a Lagoa Mirim). Logo, a não ser por embarcação, ninguém entra no Uruguai a partir do Brasil por ali. Essa informação, no entanto, não diz muito, uma vez que a a fronteira terrestre, com Jaguarão, está a apenas uma hora e 11 minutos de Vergara (76 quilômetros).
A fronteira está fechada desde o dia 13, apenas o tráfego internacional de mercadorias é mantido.
Uma hipótese é de que uma enfermeira do hospital de Treina y Tres teria contraído o vírus durante uma viagem a Chuy (na fronteira com a gaúcha Chuí) com um grupo de amigos. No entanto, também não se descarta uma origem autóctone.
Desde que a curva epidemiológica no Brasil começou a subir, o Uruguai reforçou os controles nas fronteiras. Na relação com o Rio Grande do Sul, a bandeira em Santana do Livramento (fronteira com a uruguaia Rivera) passou de laranja para vermelha na semana passada, mas retomou a cor anterior, segundo nova determinação do governo do Estado. Na região de Bagé (também fronteira), do laranja voltou para o amarelo. E, no Chuí (fronteira com a uruguaia Chuy), permaneceu laranja.
Pela fala do presidente Lacalle Pou, na tarde desta segunda-feira (21), tudo indica que a recaída uruguaia deva-se a uma série de fatores comportamentais. O país, nas últimas semanas, flexibilizou as medidas de restrição (em nenhum momento houve fechamento total da economia) de deslocamento.
- O que todos pensávamos, que o Uruguai iria caminhar para uma nova normalidade, que não era só um tema de saúde, mas de educação, de trabalho, familiar, hoje nos obriga a parar, nos obriga a ir atrás de tudo o quanto for necessário. E, na verdade, é o que fareemos com pesar, mas é nosso dever - disse Lacalle Pou, ao lamentar a reimposição das restrições.
Havia um excesso de otimismo, tudo indica. O presidente afirmou que a população está saindo, indo a festas, se reunindo, atendendo a um desejo de festejar.
- Mas não é tempo - salientou.
As polícias de dois departamentos, Salto e Maldonado, investigam denúncias de eventos realizados durante o fim de semana, em festas que reuniram mais de 200 pessoas.
Os problemas domésticos do Uruguai, no entanto, não eximem completamente a responsabilidade brasileira. Há alguns meses, o descontrole do vírus no Brasil vem sendo observado com preocupação pelos países vizinhos - além do Uruguai, Argentina e Paraguai.
Não há notícias da entrada em vigor de uma política binacional entre o Uruguai e o Brasil a fim de evitar infecções em massa pelo coronavírus na fronteira, onde há cidades divididas por avenidas, o que dificulta o controle. Prova da ausência de uma ação coordenada entre os dois países foi que a mudança de status de risco em Santana do Livramento (quando entrou em vigor a bandeira vermelha e havia risco de toque de recolher) não recebeu reciprocidade na vizinha Rivera, cujas autoridades esperavam contato do Itamaraty para implementação de medidas similares.