Antes mesmo de o arsenal militar chinês irromper na Praça Tiananmen, conhecida no Ocidente como da Paz Celestial, a grandiloquência do desfile em comemoração aos 70 anos do triunfo da revolução comunista já era um recado claro ao mundo em geral e aos Estados Unidos em particular: "Não mexam conosco".
A precisão milimétrica de movimentos dos envolvidos no espetáculo, a disciplina, a amplitude das imagens transmitidas pela TV estatal, tudo foi planejado, ensaiado e executado para revelar a mais formidável máquina de guerra do dragão chinês na história. No subtexto do show bélico em Pequim, o governo de Xi Jinping quis dizer: "Estamos envolvidos em uma guerra comercial com os americanos, mas, se preciso for, sabemos falar grosso e temos condições de abalar o equilíbrio de forças globais.
O recado aos EUA ficou explícito no momento em que entrou em cena o novíssimo míssil intercontinental Dongfeng-41 (DF-41), com capacidade de atingir qualquer ponto do território americano. Mais do que isso, o armamento seria capaz de penetrar todos os escudos de defesa antimíssil já desenvolvidos pela indústria americana. Seu raio de operação fica entre 12 mil e 15 mil quilômetros, o que o torna o de maior alcance do mundo, superando o LGM-30 Minuteman (13 mil quilômetros). Poderia atingir os EUA em 30 minutos.
Ainda que show de imagens seja de deliciar admiradores de armas, é claro que, em um primeiro momento, os chineses não têm intenção de atacar os Estados Unidos. Ao falar grosso por imagens, o país exerce seu poder dissuasão.
É no campo regional que a exibição de armas desequilibra e tem poder de repelir a presença do Ocidente. Na área de influência chinesa, a ameaça fica por conta de outro míssil apresentado, o DF-17. Devido a sua alta velocidade e ao fato de ter um sistema de manobra independente para o lançamento de ogivas é muito difícil de ser interceptado. Nesse sentido, desequilibra as forças na região e é uma ameaça para:
Mar do Sul da China - A imensa massa de água situada ao sul da China, entre Vietnã, Malásia e Filipinas, cada um reivindicando um naco do mar, é vista pelo gigante como parte de sua zona de influência. Por ali, circulam, a cada ano, US$ 5 trilhões em mercadorias. A área também é rica em reservas de petróleo e gás. Só a China exige 80% do território marítimo. A disputa por suas águas e arquipélagos é considerada uma das mais perigosas da Ásia. No ano passado, em uma demonstração de força, os militares chineses desembarcaram, em maio, bombardeiros Xian H-6K com capacidade nuclear em uma de suas ilhas artificiais no Mar do Sul da China pela primeira vez, em maio.
Coreia do Sul e Japão - A exibição de força chinesa é um recado também a esses países, principais aliados americanos na região. Os sul-coreanos pela tensão com a Coreia do Norte — hoje amenizada em parte pelas negociações entre Kim Jong-un e Donald Trump. E os japoneses pelas rixas históricas: as duas guerras sino-japonesas, entre 1894 e 1895 e, depois, durante a II Guerra Mundial, entre 1937 e 1945, ainda estão no imaginário chinês.
Hong Kong - No aspecto interno, o desfile é uma forma de intimidar forças de oposição, como em Hong Kong, onde manifestantes têm buscado maior autonomia da antiga colônia britânica. Entre os gritos por democracia nos protestos, há vozes pela independência apoiadas pelo Ocidente.
Taiwan - O recado também é intimidador para outro aliado americano na região, Taiwan. Aqui, o tom é algo como: "Podemos recuperar o território quando quisermos". Na ilha, refugiaram-se os nacionalistas que fugiram da revolução comunista. A China ainda vê hoje o território como uma "província rebelde". É parte de sua ambição retomá-la.
Em termos de segurança internacional, a questão que preocupa é: toda ação tem uma reação. O resultado do flexionar de músculos do dragão chinês no aniversário de 70 anos da República Popular da China pode ser uma nova corrida armamentista em nível global e regional. Nenhuma potência ou líder regional pode ter ido dormir tranquilo depois do que viu pela TV na Praça Tiananmen.