Há crescente desconforto de boa parte da comunidade judaica brasileira com o uso de símbolos de Israel por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em atos antidemocráticos.
No domingo (3), a bandeira azul e branco israelense tremulava, ao lado da americana, entre simpatizantes que defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.
Não é incomum o símbolo de Israel aparecer em atos pró-governo. Mas essa aproximação, uma vez associada a manifestações que pregam golpe militar, é cada vez mais questionada. No Estado, a Federação Israelita do Rio Grande do Sul (Firs) emitiu nota criticando a apropriação da bandeira, considerando “desnecessária” a aparição do símbolo, em especial em um “espaço com manifestações antidemocráticas”.
– Primeiro, porque Israel é um país com uma democracia muito forte, consolidada, e certamente não tem qualquer afinidade com ideologias totalitárias ou qualquer intenção de golpe e/ou intervenção militar. Segundo, porque não contribui em nada para a imagem do Estado (de Israel) o uso das bandeiras nesse tipo de agenda. Pelo contrário, gera uma imagem ruim à medida que está se associando ao país ideias e solicitações que levam ao totalitarismo – declarou o presidente da entidade, Sebastian Watenberg.
O Instituto Brasil-Israel também afirmou no Twitter que a aparição do símbolo é contraditória aos valores que ele representa: “O governo brasileiro e os setores que ainda o apoiam têm feito uso dessas bandeiras, mas elas não pertencem a eles”, diz o texto.
A apropriação de símbolos judaicos por Bolsonaro e apoiadores não é nova. Desde a campanha, esta era uma estratégia para se aproximar de eleitores evangélicos, que veem na associação com Israel uma alusão à Terra Santa, onde Jesus Cristo viveu, morreu e, segundo os cristãos, ressuscitou – e, onde, no dia do Juízo Final, voltará. O aproveitamento da imagem de Israel, pelos estrategistas, também era uma forma de antítese aos governos do PT, considerados por setores judaicos muito favoráveis aos palestinos. No poder, Bolsonaro buscou impor uma agenda que emulava interesses americanos e de setores da direita israelense, ao tentar transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, como fez o governo Donald Trump. Diante das críticas de países árabes – importantes importadores de produtos brasileiros, em especial de carne halal, que cumpre os requisitos islâmicos –, o Planalto recuou.
As objeções ao uso da bandeira israelense se somam a outros atritos recentes. Na semana passada, entidades judaicas nacionais e internacionais, além do jornal Times of Israel, criticaram texto no qual o chanceler Ernesto Araújo compara medidas de isolamento social aos campos de concentração nazistas, em que milhões de judeus foram mortos.
Único país democrático do Oriente Médio, Israel é exemplo de nação liberal em termos de comportamento. Tem grande e importante comunidade LGBT+, o aborto é legalizado, e mulheres exercem diversos papéis de destaque, inclusive o militar. Em nada lembra o neoconservadorismo da agenda de simpatizantes do presidente.
Aliás, o presidente Jair Bolsonaro busca associação com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Mas ambos têm adotado posturas diferentes no combate à pandemia. Em Israel, o governo empreendeu rígidas políticas de isolamento social, com confinamento da população e fechamento de escolas, locais de culto e recreação. Também foram proibidas saídas a mais de cem metros de casa, exceto para ir ao trabalho, a supermercados, hospitais ou farmácias.