Quais são as causas da guerra? A resposta mais óbvia é que países, muitas vezes, têm interesses conflitantes sobre temas importantes. Em geral, nações pegam em armas por território, convicções políticas, agenda desenfreada de fortalecimento da segurança e poder.
Excetuando-se a primeira opção, objetivo central de conflitos nos últimos 300 anos, as três outras questões pelas quais os Estados lutam estão presentes na disputa entre Estados Unidos e China a ponto de imaginarmos que a nova Guerra Fria não será, como se pensava no mundo pré-covid-19, entre americanos e russos. Mas com Pequim.
Em que momento a retórica migra para a ação? Ou quando uma disputa comercial ganha potencial para um conflito bélico? Governos sob pressão doméstica costumam ir à guerra - não à toa presidentes americanos fazem girar sua máquina militar quando a popularidade despenca. Tanto democracias quanto regimes autoritários são reféns da economia. E, nesse sentido, Donald Trump e Xi Jinping têm motivos para se preocupar. Na China, o crescimento menor da economia devido à pandemia aliado às pressões por explicações sobre a origem do vírus podem levar a nova classe média a questionar a ditadura. Nos Estados Unidos, que registram o maior número de mortos por coronavírus no mundo, a economia pode neutralizar os planos de reeleição do presidente, em novembro.
Outro gatilho para um conflito é quando um país se sente sob ameaça - real ou imaginária. Antes de o coronavírus surgir em Wuhan, a China deu grande demonstração de força ao mundo, em outubro. Com mísseis, drones e bombardeiros, o desfile dos 70 anos da era comunista ilustrou a modernização de suas forças armadas. Na vitrine, estava o imenso míssil DF-41, com capacidade de chegar ao território americano carregado com entre quatro e 10 ogivas nucleares.
Com essas armas, a China reduziu a distância em relação aos EUA metaforicamente falando e limitou as vantagens militares americanas na Ásia. Em outras palavras, exerce poder de dissuasão.
A mudança de tom da diplomacia chinesa - respondendo de pronto a qualquer insinuação de que o coronavírus seja fabricação voluntária ou que tenha vazado de um laboratório de Wuhan - mostra uma posição assertiva até pouco tempo incomum aos comedidos chineses. Soma-se a isso, o episódio recente em que a agência de notícias estatal Xinhua divulgou um vídeo que zomba da forma como o governo americano vem lidando com o coronavírus.
Tudo isso, aliado ao risco de perda de hegemonia, dá indícios das preocupações de Trump ao telefonar nesta quinta-feira (7) para o presidente Vladimir Putin pedindo que a Rússia envolva a China nas novas negociações sobre a limitação da corrida armamentista. Os antigos rivais abandonaram no ano passado o tratado de desarmamento INF, que proibia mísseis com alcance de 500 a 5,5 mil quilômetros. Washington também ameaça abandonar o tratado New Start, que mantém os arsenais nucleares bem abaixo do nível da Guerra Fria e que expira no ano que vem. A pressão para incluir a China em futuro acordo mostra que o presidente americano está preocupado com o aumento da capacidade bélica de Pequim - que talvez tenha crescido de forma mais rápida do que o previsto pela Casa Branca.