
Sara Jane Ahmed é conselheira do V20, grupo que reúne 70 países mais vulneráveis às mudanças climáticas.
A maior preocupação para essas nações, que somam 1,7 bilhão de habitantes, é tornar suas infraestruturas mais resilientes. Estão lá os países-ilhas do Pacífico, que correm risco de desaparecer, mas também nações da Ásia, África e América Latina. São territórios que sofrem com enchentes, ondas de calor, queimadas, entre outros impactos das alterações ambientais.
Sara é uma das convidadas especiais do Seminário Científico "RS Resiliência & Sustentabilidade", resultado da parceria entre universidades federais no RS e a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, do governo federal. O evento ocorre hoje no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre.
Em entrevista à coluna, a pesquisadora, com nacionalidades filipina e bengali, fala sobre como os eventos extremos no RS se conectam com a realidade global das mudanças climáticas.
Como a experiência do V20 pode ajudar o RS a lidar com as mudanças climáticas?
Nossos povos têm visões muito semelhantes, embora possamos não compartilhar a mesma profundidade e intensidades variadas de vulnerabilidade devido às nossas diferentes circunstâncias econômicas e de desenvolvimento. Enquanto desastres atingem fortemente e de forma rápida, as finanças se movem lentamente, enterradas sob barreiras que punem os vulneráveis com atraso e dívida. O custo da inação é muito maior do que o preço do investimento, e ainda assim o mundo hesita. Os gestores econômicos do CVF-V20 (Climate Vulnerable Forum - Vulnerable Twenty Group) sabem muito bem que seus países já perderam 20% de seu crescimento potencial do PIB devido aos impactos das mudanças climáticas sofridos nas últimas duas décadas, como as enchentes do Rio Grande do Sul em 2024 causadas por fortes chuvas e tempestades. Hesitação nunca é uma estratégia vencedora. Espero, sinceramente, que nossos países e comunidades possam trabalhar mais juntos, porque precisamos investir para construir resiliência contra a crise climática. A verdadeira questão agora é o quão rápido podemos mobilizar as finanças necessárias para construir nossa capacidade adaptativa e garantir nosso futuro de longo prazo. Sabemos que fazer as duas coisas nos coloca em uma posição muito mais robusta para contribuir com a ação global que ajuda a mitigar mais danos climáticos. Esperamos que o Brasil reconheça a necessidade urgente de mudar da gestão de crise para a criação de oportunidades, incorporando a resiliência climática no centro de tudo o que fazemos. Isso significa nossos orçamentos, políticas e modelos de financiamento.
No Rio Grande do Sul, enfrentamos enchentes e secas. Como fazer adaptação?
Uma abordagem abrangente e multifacetada é proposta para adaptação a enchentes e secas, dada a escala e magnitude do problema. Precisamos agir agora, mas as políticas que estabelecemos hoje também precisam olhar para o longo prazo. Infraestrutura robusta e planejamento urbano são essenciais. Isso inclui sistemas de drenagem aprimorados, investimento em infraestrutura verde inteligente, planejamento urbano revisado e sistemas eficazes de alerta precoce. Em termos de experiência, há muito que podemos compartilhar. Para o setor agrícola, culturas resistentes à seca, manejo do solo, de forma que preserva a retenção de água, e sistemas de irrigação com eficiência hídrica aumentarão a adaptação e criarão resiliência. Além disso, o treinamento e a educação da comunidade são vitais, pois a conscientização pública sobre os riscos de enchentes e secas e as medidas de adaptação são importantes. Para esse fim, política e governança são essenciais. A legislação referente à proteção dos recursos naturais precisa ser fortalecida e aplicada, uma abordagem integrada ao gerenciamento de recursos hídricos precisa ser adotada, bem como esforços abrangentes de mitigação climática.
O Rio Grande do Sul tem enormes quantidades de riqueza em energia renovável: eólica offshore e biocombustíveis, bem como um enorme potencial para ser um player de combustíveis alternativos
Falando sobre transição energética: no Rio Grande do Sul, temos uma região dependente do carvão como fonte de energia (Candiota, no sul do estado). Como fazer a transição para energia limpa sem prejudicar essas pessoas?
Uma transição energética justa significa que os trabalhadores da indústria do carvão são considerados primeiramente. Eles já pagaram um alto preço por distúrbios pulmonares, entre outros problemas de saúde sérios e crônicos. É importante utilizar a política industrial verde como forma de garantir que haja uma transição ordenada que seja altamente benéfica não para os proprietários da indústria, mas para os trabalhadores do setor. Especificamente, tal política deve responder às seguintes perguntas: O que torna uma política industrial verde eficaz e durável? Como o investimento público e privado pode se mobilizar para evitar que as temperaturas médias globais ultrapassem o limite de 1,5°C? Quais projetos políticos podem impulsionar o crescimento verde equitativo, garantindo que a transição energética beneficie comunidades economicamente desfavorecidas e indígenas? O Rio Grande do Sul tem enormes quantidades de riqueza em energia renovável: eólica offshore e biocombustíveis, bem como um enorme potencial para ser um player de combustíveis alternativos, incluindo etanol. Em outras palavras, a Política Industrial Verde visa acelerar o desenvolvimento enquanto enfrenta os desafios da biodiversidade e do clima, fazendo a transição para uma economia de baixo carbono e resiliente, garantindo transformações estruturais necessárias para impulsionar o crescimento econômico, a competitividade e os empregos, mudando da vulnerabilidade para a prosperidade. Muito do que precisamos, já temos - e precisamos ver o vento, a radiação solar, os recursos biológicos como riqueza renovável.

Outra questão relacionada às mudanças climáticas é a produção de petróleo. O governo Lula costuma defender nas conferências climáticas (COPs) o fim dos combustíveis fósseis. No entanto, internamente, a extração de petróleo. Como essa contradição dificulta o combate às mudanças climáticas?
A extração de petróleo corre o risco de minar o potencial eólico offshore. Mas, mais importante, há um excesso de oferta de petróleo que representa um risco sério porque, à medida que o excesso de oferta entra no mercado e os preços caem, fornecedores e comerciantes podem não ver seu retorno antecipado sobre o investimento. Então, no geral, agora vemos excesso de oferta com riscos financeiros consideráveis para os exportadores. Também é importante notar que há uma demanda crescente por veículos elétricos, tanto de uma perspectiva de acessibilidade quanto de ar limpo. Então, além dos riscos financeiros e econômicos na extração de petróleo, isso é, de fato, uma contradição no combate às mudanças climáticas.
Quais são suas expectativas para a COP30? Conferências da ONU ainda são relevantes?
Os países membros do CVF-V20 e o Brasil devem trabalhar juntos para elevar o roteiro de Baku a Belém (financiamento para transição energética) para US$ 1,3 trilhão. Já passou da hora de reconhecermos uma série de itens que imploram desesperadamente por colaboração:
1) Incluir explicitamente medidas e recursos de adaptação e perdas e danos como pilares essenciais. Isso garantirá que, juntamente com a mitigação, a necessidade urgente de capacidade adaptativa e respostas eficazes a perdas e danos seja abordada, protegendo nossas economias e comunidades contra choques futuros.
2) Os bancos multilaterais de desenvolvimento precisam de injeções de capital novo para garantir que possam fornecer financiamento de longo prazo e baixo custo na escala necessária, ainda mais do que já se comprometeram a fazer.
3) As soluções de dívida precisam fazer parte da conversa; o espaço fiscal precisa ser liberado e fundamental para isso é uma arquitetura de solução de dívida eficaz.
4) Um novo compromisso para recanalizar Direitos Especiais de Saque que já foram emitidos.
5) Suporte para plataformas de países que os estados-membros do V20 podem implementar.
6) Estratégias de financiamento e investimento da Prosperidade Climática que contenham investimentos climáticos e de desenvolvimento orientados para o crescimento.
7) Da mesma forma, precisamos reforçar o capital humano conforme solicitado pelo governo, suporte à preparação de projetos, capital em estágio inicial, primeira perda e garantias, construção da base de evidências e acesso analítico, e fortalecimento de nossas instituições nacionais e participação do setor privado.
8) Desbloquear capital adicional é crucial. O crédito privado representa um mercado de US$ 40 trilhões — a maior parte do qual é grau de investimento. O crédito corporativo e ao consumidor não negociado, ou "privado", é mantido nos balanços de bancos, seguradoras, gestores de ativos, pensões e muitos outros investidores institucionais. Com as reformas e estratégias de mobilização certas, esse vasto conjunto de capital pode ser aproveitado para complementar nossos esforços de financiamento climático e impulsionar o crescimento verde. As negociações climáticas de Belém precisam habilitar um papel específico da COP que continua incrivelmente negligenciado e subestimado: as cúpulas da COP são, na verdade, intensamente relevantes quando se trata de criação de mercado, como mercados de carbono, e reunir várias partes interessadas, o que é algo que muitas arenas ainda precisam acomodar.