A crença de que a China planejou e criou o novo coronavírus para desequilibrar o mundo, como sugeriu o deputado federal Eduardo Bolsonaro, tem origem em obscuros sites da internet em que influenciadores com milhares de seguidores disseminam notícias falsas e teorias da conspiração. De acordo com essa tese estapafúrdia, os chineses teriam inventado o vírus na região de Wuhan, epicentro real e inicial do foco da doença, para “ganhar a Terceira Guerra Mundial” e dar “um golpe de mestre”, derrubando os preços dos alimentos e as bolsas de valores do Ocidente.
O principal fomentador da tese é Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Donald Trump à presidência em 2016. Embora demitido pela Casa Branca em 2017, ele continua a influenciar setores do governo americano e a insuflar seguidores da extrema-direita mundial pela internet. Bannon deu uma entrevista específica a um site ultraconservador em que defende essa tese, retroalimentado por posts de diversos seguidores no Facebook e por meio de mensagens no WhatsApp.
Trump, embora tenha se referido em pelo menos dois de seus discursos desde a semana passada, ao “vírus chinês”, não chancelou até agora a tese do aliado. Nem importantes influenciadores do governo brasileiro, como o guru Olavo de Carvalho, vieram a público defender a teoria conspiratória externada por Eduardo Bolsonaro, embora, segundo fontes ligadas ao Itamaraty, essa desconfiança exista e seja alimentada no setor ideológico do governo.
Quando a embaixada da China diz em sua conta oficial no Twitter que Eduardo contraiu o “vírus mental que está infectando as amizades entre os nossos povos”, citando a viagem a Miami, a chancelaria chinesa está exatamente afirmando, por outras palavras, que o deputado brasileiro e filho do presidente está mimetizando essas ideias presentes em setores da Casa Branca. Eduardo estava na comitiva do presidente Jair Bolsonaro que visitou Trump em Mar-a-lago, na semana passada, e da qual pelo menos 16 membros estão com o coronavírus.
As falas de Bannon costumam reverberar na extrema-direita mundial. Mas, desta vez, não encontram grande eco. Se observarmos os discursos e postagens dos tradicionais representantes da ultradireita atual, nenhum cita a teoria conspiratória. O líder da Liga e ex-vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini se preocupou em aproveitar o medo para defender o fechamento das fronteiras - o que, de fato, ocorreu. Ao contrário da China, o político, sem base científica, vinculou a disseminação do vírus à chegada de migrantes da África - o que não deixa de ser mentira: o continente africano registra, até agora, os menores números de infecção por coronavírus.
A líder da extrema-direita francesa Marine Le Pen também não fez eco às ideias de Bannon sobre a China. Mas voltou-se a críticas internas: disse, também de forma falaciosa, que a União Europeia “guardou silêncio” sobre o coronavírus.
O primeiro-ministro húngaro, Victor Orbán, aliado do governo brasileiro e de Trump na cruzada contra o que chamam de globalismo (plano da esquerda para dominar o campo das ideias), também não serviu de caixa de ressonância da ideia de Bannon, emulada por Eduardo Bolsonaro. Tem usado a crise para reforçar sua política anti-imigração.
Fato curioso: no Oriente Médio (onde Trump e Bolsonaro contam com a aliança com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu), a crise do coronavírus tem uma narrativa diversa - contra o Ocidente, inclusive. No mundo árabe, vários sites têm publicado a tese de que o vírus foi inventado por Israel e pelos Estados Unidos. O argumento, também mentiroso, baseia-se no fato de que esses países teriam poucos casos.
Nessa guerra de narrativas, vale salientar:
1 - A China foi tão atingida economicamente pela pandemia quanto os mercados mundiais.
2 - A China perdeu até o momento 3.242 pessoas. Tem 81.174 casos. Pela primeira vez nas últimas 24 horas, conseguiu não ter nenhum caso de transmissão local. Nas próximas horas, deve enviar um lote com 2 milhões de máscaras em apoio à União Europeia.
3 - Estados Unidos tem 7.087 casos e 97 mortes. Israel tem 304 casos e zero mortes. São dados da OMS.
4 - O discurso de Bannon ecoado por Eduardo Bolsonaro não encontrou ressonância em nenhum líder mundial de expressão nos últimos dias. Restringe-se a setores da extrema-direita alimentados por influenciadores e por sites de notícias falsas.
5 - Não há evidências científicas de que o coronavírus tenha sido criado em laboratório.