As referências à guerra, ou ao segundo conflito de proporções planetárias, são válidas do ponto de vista simbólico para mostrar que os governos estão tomando atitudes em relação à covil-19, mas não podem se restringir ao campo da retórica. No caso da Europa, Merkel fez o pronunciamento na televisão, algo que também adquire peso histórico, porque além do discurso tradicional do final do ano, é a primeira vez que a chanceler usa esse formato para fazer uma fala aos cidadãos desde que chegou ao poder em 2005. Na Alemanha apesar do fechamento de fronteiras no Sul, não há confinamento, diferentemente de Franca, Itália e Espanha.
No caso dos Estados Unidos, Trump referiu-se a si mesmo como um "presidente de tempos de guerra”. Ele invocará a Lei de Produção de Defesa para acelerar a produção de máscaras, luvas e equipamentos hospitalares no país. A legislação extraordinária foi criada em 1950, durante a Guerra da Coreia, o conflito entre o Norte e o Sul na península asiática no âmbito da Guerra Fria. Com isso, Trump busca aumentar a mobilização civil e militar. A lei autoriza o presidente a estabelecer mecanismos para alocar materiais, serviços e organizações para promover a defesa nacional, obrigando empresas a firmarem contratos com esta finalidade. A medida foi usada esporadicamente.
Pelo menos, foi estancado o discurso que tanto China quando os Estados Unidos estavam utilizando para se atacarem mutuamente - desta vez, devido ao coronavírus. Se há uma boa noticia em tudo isso é que, pelo menos, se há uma guerra, o inimigo é comum, diferentemente de momentos da história recente, como a primeira e a segunda guerras ou o conflito entre EUA e URSS, para ficarmos nos exemplos do século 20. Também não se trata de um conflito contra grupos insurgentes, o Talibã, a Al-Qaeda ou o terrorismo de forma geral. A luta para conter o coronavírus está no campo dos temas supranacionais, nos quais medidas governamentais são importantes, mas não suficientes.
É hora da colaboração, da cooperação internacional, algo difícil em um mundo com governos e interesses divergentes e relações internacionais pautadas pelo egoísmo hobbesiano. Mas não percamos a esperança. Ao menos a palavra guerra, ao final de duas décadas de um século 21 que começou tão sangrento quanto o anterior, está sendo utilizada em prol da humanidade.