O surto do novo coronavírus pega o sistema das Nações Unidas, ao qual a Organização Mundial de Saúde (OMS) está subordinada, em plena crise financeira e de legitimidade.
A falta de dinheiro sempre permeou a realidade dos órgãos multilaterais, que dependem de países doadores do condomínio ONU. No entanto, na atualidade, esse problema é agravado pela desconfiança de governos populistas — entre eles, financiadores importantes como os Estados Unidos, que têm esvaziado instituições e regimes de cooperação internacional, retirando dinheiro.
Os questionamentos sobre a eficiência da OMS surgem na esteira de decisões equivocadas em duas crises globais. A agência ou foi lenta ou rápida demais ao empregar o termo “emergência de saúde pública de alcance mundial” em situações semelhantes ao do coronavírus.
A designação foi usada pela primeira vez por ocasião do H1N1, em 2009. Naquele surto, a agência foi criticada por provocar corrida pela compra de vacinas ao anunciar que a doença atingira proporções de pandemia (termo usado para descrever uma epidemia que atinge escala global) e, depois, ter sido descoberto que aquele vírus não era tão perigoso quanto se pensava. À época, houve suspeitas de conflito de interesse por parte da organização uma vez que ações teriam favorecido a indústria farmacêutica.
Em 2014, ao contrário, a OMS demorou em decretar emergência e subestimar a gravidade da epidemia de ebola que devastou três países da África Ocidental, matando cerca de 11,3 mil pessoas até o fim de 2016.
No caso do coronavírus, a entidade resistia em declarar “emergência de saúde pública de alcance internacional” por temer ampliar o pânico. Uma onda de notícias falsas e a desconfiança sobre a transparência do governo da China e de seus dados lançavam uma nuvem de desinformação sobre o real tamanho do surto – ainda hoje não está clara sua dimensão.
Até especialistas em saúde da organização ficaram divididos se a OMS deveria ou não declarar o mais alto nível de alerta, uma vez que a alcunha faz girar uma máquina internacional que mexe com cifras milionárias, pessoal, pesquisa e planejamento estratégico.
No final de janeiro, a OMS admitiu que errou em sua avaliação sobre a ameaça do coronavírus e passou a considerar como “elevado” o perigo internacional de contaminação pela doença.
O risco de ser lenta nesses casos é abrir um vácuo de poder que rapidamente pode ser ocupado por outros atores do sistema global – indústria farmacêutica, ONGs, governos. Quando a OMS não toma para si as rédeas da contenção de surtos que podem se tornar pandemias, abre-se margem para ações unilaterais. A Rússia fechou fronteiras, e companhias aéreas europeias cancelaram voos. O medo se propagou.
A emergência é um evento extraordinário que constitui risco à saúde pública de outros países por meio da disseminação internacional da doença. Problemas comuns a todos os seres humanos – e não apenas a um país específico – devem ser solucionados por meio de responsabilidades compartilhadas. Crises como o coronavírus exigem resposta internacional coordenada que só a OMS tem condições de liderar, apesar de seus defeitos.