No auge da campanha presidencial argentina, a vitória da chapa peronista nas Paso (prévia da eleição) levou o presidente Jair Bolsonaro, em visita ao Rio Grande do Sul, a fazer uma declaração que demarcaria a ruptura com o então candidato — hoje presidente — Alberto Fernández.
— Não esqueçam que, mais ao Sul, na Argentina, o que aconteceu nas eleições de ontem. A turma da Cristina Kirchner, que é a mesma de Dilma Rousseff, que é a mesma de Hugo Chávez, de Fidel Castro, deram sinal de vida aqui. Povo gaúcho, se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter no Rio Grande do Sul um novo estado de Roraima", disse ao público de convidados e de apoiadores.
Seguiram-se provocações mútuas, um encontro de cúpula do Mercosul em Bento Gonçalves sob a sombra da rivalidade (com Mauricio Macri ainda na presidência) e uma retórica que lembrava os tempos em que Brasil e Argentina disputavam a liderança geopolítica e econômica latino-americana, chegando a ensaiar uma curta corrida nuclear. Os novos sinais emitidos pelo Palácio do Planalto e pela Casa Rosada, no entanto, permitem um pouco de otimismo para a relação Brasília-Buenos Aires, para empresários dos dois países e para o Mercosul. Há um acerto informal de um encontro entre Fernández e Bolsonaro em março — na posse de Luis Lacalle Pou, novo presidente do Uruguai, em 1º, ou nos dias seguintes. O degelo foi costurado por Felipe Solá, tarimbado ministro das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da Argentina, enviado ao Brasil esta semana. Oriundo da centro-direita peronista — ala que inclui políticos como Carlos Menem —, Solá tem muito mais a ver com Bolsonaro e com o ministro Paulo Guedes do que com Fernández e Cristina Kirchner. Por isso, foi o escolhido para a missão de paz.
Ambos os países têm dependência carnal em setores econômicos, são as duas maiores potências do Mercosul e, de uma forma ou de outra, estão ligados aos Estados Unidos — Bolsonaro por alinhamento automático com o governo Donald Trump e Fernández por necessitar do aval do presidente americano ao FMI para renegociar a dívida. Apesar das divergências ideológicas entre os governos Bolsonaro e Fernández, a realidade política exige dos dois gigantes do continente convivência que, se não for harmônica, ao menos seja tolerante.