Ao blindar a cidade de Wuhan, onde supostamente surgiu o novo coronavírus, o Partido Comunista da China alertou que qualquer pessoa que ocultar infecções será "marcada para sempre no pilar da vergonha da história".
Medidas para evitar uma epidemia global, no entanto, exigem bem mais do que frases de efeito.
Se o governo autoritário chinês não mostrar ao mundo que mudou drasticamente a cartilha com que costuma lidar com crises como essa quem entrará para o hall da infâmia da história será ele próprio. A expansão do novo coronavírus é um teste para o dragão asiático no momento em que a nação caminha a passos largos para se tornar potência global – não apenas no aspecto econômico, mas também político e militar.
Os primeiros sinais da tradicional pouca transparência com que a China costuma lidar com seus fantasmas apareceram. De novo, o governo demorou a reconhecer a gravidade do problema e só o fez depois que as mortes em decorrência da doença chegaram a 17 no país.
Passado o primeiro momento de lentidão – ou tentativa de ocultar a verdade –, as autoridades parecem ter acelerado os procedimentos a ponto de a Organização Mundial da Saúde (OMS) elogiar, agora, maior transparência.
Governos ditatoriais, como China e Rússia, têm como hábito ocultar tragédias, massacres e violações de direitos humanos. Os comunistas escondem até hoje a verdade sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial, que completou 30 anos em 2019. Na atualidade, impedem jornalistas internacionais de ter acesso à região do Tibete, onde há suspeitas de crimes cometidos pelo Estado.
A vizinha Rússia demorou demais para reconhecer a tragédia com o submarino Kursk _ e só o fez quando já não era possível salvar marinheiros asfixiados no interior do sarcófago de aço no fundo do Mar Barents. Antes, em 1986, escondeu do planeta a explosão de Chernobyl.
São atos condenáveis do ponto de vista histórico. A falta de transparência em casos do surgimento de novas doenças se tornam ainda mais dramáticos porque exigem resposta rápida e eficaz, antes que se tornem pandemias. Problemas comuns a toda humanidade devem ser tratados de forma global, acima das fronteiras nacionais.
Em 2008, uma epidemia de um vírus intestinal foi ocultado no primeiro mês pelo governo chinês As primeiras 12 vítimas do EV71, que causa a doença de febre aftosa humana, morreram entre março e abril daquele ano, mas o governo chinês só divulgou um mês depois.
O caso mais emblemático de como a China tentou erroneamente e criminosamente erguer uma muralha de informações diante do mundo foi 2003, quando o governo ocultou dados sobre a Síndroma Respiratória Aguda Severa (Sars). O país levou entre quarto e cinco meses para anunciar o surto e chegou a esconder pacientes. Resultado: mais de 700 pessoas morreram em 30 países.
Especialistas dizem que as falhas ocorridas com a Sars foram causadas por um sistema de saúde com poucos recursos e centralizado, com pouca experiência em doenças infecciosas e nenhum mecanismo de divulgação de informações. Os governos locais também estavam relutantes em assumir a responsabilidade pela rápida disseminação de infecções. Desde então, dizem, houve mudanças e um sistema integrado de prevenção foi organizado.
Mas tudo isso não será suficiente se não houver decisão política do politburo chinês em dar ao mundo informações sobre o que realmente está ocorrendo dentro de suas fronteiras. O futuro da China como potência está à prova.