A cena é impressionante: centenas de homens brancos, com roupas camufladas, rostos cobertos por lenços, caminhando pelas ruas de Richmond, Virgínia, portando a tiracolo fuzis semiautomáticos. Não se trata de um exército formal a caminho de uma operação nem de policiais ou criminosos. São americanos comuns, em geral de classe média, eleitores do presidente Donald Trump, indignados com o projeto do governador Ralph Northam (democrata) de restringir a compra e posse de armas no Estado — na prática, checagem de antecedentes mais amplas, o veto a fuzis e o limite de compra de uma arma por mês.
Os organizadores do movimento pretendiam reunir 100 mil pessoas. Bastaria uma para provocar uma tragédia como a de três anos atrás, em Charlottesville, também na Virgínia. O propósito daquela ocasião era diferente: um grupo radical protestava contra a retirada da estátua do general confederado Robert E. Lee. Lá pelas tantas, um supremacista branco atropelou e arrastou, intencionalmente, uma multidão. Uma pessoa morreu e outras 19 ficaram feridas.
A retórica e o pano de fundo são os mesmos de agora. Os defensores do arsenal dizem que a mudança na lei é um ataque aos direitos constitucionais e citam a Segunda Emenda da Constituição, que trata da posse de armas de fogo. Nos últimos dias, o FBI prendeu três integrantes de um grupo neonazista. O governador Northam decretou estado de emergência.
A polêmica transborda a divisa da Virgínia. O Estado é hoje microcosmos dos Estados Unidos. Veremos nos próximos 10 meses de campanha eleitoral à presidência as entranhas de um país polarizado. Eleito com amplo apoio financeiro da poderosa National Rifle Association (NRA) — US$ 30 milhões —, Trump deu munição à polêmica e colocou-se, como era de se esperar, ao lado dos armados: "Sua segunda emenda está sob sério ataque na Virgínia. É isso o que acontece quando você vota em democratas, eles levam suas armas embora", disse no Twitter.
A demonstração de força dos grupos pró-armas e o debate que se implantou em um dos Estados mais racistas dos EUA exibem como o racha ideológico, já presente nas eleições de 2016, agigantou-se em quatro anos. Metade do país é favorável às armas. Outra porção é contrária. Um lado é conservador, o outro, progressista. Uma América vota no Partido Democrata de Bernie Sanders, Joe Biden e Elizabeth Warren. A outra nos republicanos de Trump. O duelo está só começando.