Oito anos após o incêndio na Estação Científica Comandante Ferraz, o Brasil inaugura nesta quarta-feira (15) o novo complexo de pesquisas no continente gelado, reafirmando sua intenção de manter voz ativa no regime internacional que rege as relações entre os Estados na região, o Tratado Antártico. A um custo de US$ 99,6 milhões, a reconstrução da estrutura marca uma nova fase da presença brasileira no continente, depois que o antigo complexo, de 1984, foi destruído pelo incêndio de 25 de fevereiro de 2012.
Mas por que o Brasil investiu tanto dinheiro na obra? É conhecida a importância científica do continente — berço de espécies que podem ajudar o ser humano a encontrar a cura para doenças como câncer —, mas a Antártica, único naco de terra poupado até o momento de divisões territoriais, é tão ou mais relevante do ponto de vista estratégico. O Tratado Antártico, de 1959, estancou as reivindicações territorialistas e garantiu o continente como região internacional. Mas o debate foi apenas congelado. As ambições de grandes e médias potências seguem latentes e, nas próximas décadas, certamente voltarão a aparecer.
Comparado a vizinhos como Argentina e Chile — conhecidos por invocarem proximidade geográfica como argumento para reivindicar soberania —, o Brasil tem histórico tardio no continente, aderindo ao tratado só em 1975. O acordo estabelece que, para ter voz ativa em uma eventual rediscussão dos termos, o país precisa manter-se presente com pesquisa no continente.
O Brasil tem se destacado por seu papel no sistema internacional como potência emergente. A partir dos anos 2000, o país, durante governo Fernando Henrique Cardoso, inaugurou uma política externa de inserção estratégica por meio de um processo de integração regional. O governo Luiz Inácio Lula da Silva buscou aumentar a influência e projeção internacional, utilizando-se de atuação no entorno estratégico e em fóruns multilaterais. Assim, a tragédia de 2012, que matou dois marinheiros e destruiu Ferraz, abalou os planos brasileiros na Antártica e no Atlântico Sul, àquele momento regiões já consideradas como parte do entorno estratégico do país, segundo a Política Nacional de Defesa (PND).
A nova Ferraz é obra de três governos: a licitação para empresas interessadas foi aberta em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, as obras começaram no início de 2016, durante o mandato de Michel Temer, e a finalização ficou com a gestão de Jair Bolsonaro.
O Brasil tem feito uso do regime internacional que rege o sistema antártico, tendo na ciência princípio basilar, para demarcar presença no território e, ao mesmo tempo, projetar-se como potência regional em relação aos vizinhos. A reconstrução da Estação Científica Comandante Ferraz na Antártica reafirma os interesses estratégicos, científicos e diplomáticos brasileiros.