A China é hoje um dos atores mais importantes das relações internacionais, com impacto relevante em temas como comércio, negócios, tecnologia, migração, ambiente, turismo e equilíbrio de poder. Logo, o surto do novo coronavírus não diz respeito apenas às áreas de saúde, mas perpassa a política global.
O fato de o dragão asiático ser um país fechado, regido por um governo de partido único, o Partido Comunista Chinês (PCC), sem liberdade de informação e expressão, tem impacto direto na forma como o vírus circula. É com desconfiança que o mundo olha para a China, especialmente depois que o próprio partido divulgou, no fim de semana, que Xi Jinping escondeu por duas semanas as infecções pelo Covid-19 — nome sugerido pela Organização Mundial de Saúde para o novo vírus. O presidente falou publicamente sobre o tema em 20 de janeiro, mas desde o dia 7 já tinha conhecimento dos casos, como mostra a transcrição de um discurso, publicado pelo Qiushi, jornal oficial do PCC, feito pelo próprio Xi ao Comitê Permanente do Politburo, o mais poderoso órgão decisório da China. O texto diz que, no encontro, o líder "emitiu requisitos para a prevenção e controle do novo coronavírus".
É claro que o partidão, ao divulgar o texto, tinha a intenção de demonstrar que o grande líder cuidava pessoalmente das ações contra a epidemia. Mas o tiro saiu pela culatra e revelou que, atrás da muralha da ditadura chinesa, ainda vigora o velho método dos regimes autoritários de ocultar informações que lhes são negativas — foi assim na grande fome (1958-1961), no massacre da Praça Tianamen (da Paz Celestial, em 1989), na epidemia de Síndrome Aguda Respiratória Severa (Sars), em 2003 — quando o encobrimento dos casos, turbinou os números das mortes —, e nas recentes violações aos direitos humanos no Tibete.
O adiamento anunciado nesta segunda-feira (17) da sessão do Congresso Nacional do Povo, maior encontro político anual da China, é reconhecimento explícito de que a crise vem alterando o funcionamento do regime. As sessões parlamentares de março ocorrem anualmente desde 1985, quando o então líder Deng Xiaoping as formalizou como parte de sua reforma legislativa. Durante o evento, são reveladas as metas econômicas, projeções de gastos com defesa e mudanças no PC — uma versão chinesa do discurso sobre o Estado da União americano.
As autoridades chinesas já haviam dado mostras de sua pouca transparência na semana passada, ao mudar a metodologia de diagnóstico da doença, o que fez o número de pessoas infectadas crescer em 14,8 mil novos casos em relação ao sistema de contagem anterior. A partir do novo método, o número de contaminados passou dos 60 mil na quinta-feira (13), com mais de 1,3 mil mortos. Antes, dirigentes do PCC na cidade de Wuhan e na província de Hubei foram demitidos provavelmente pela incapacidade de conter a doença.
A ausência de informação representa um risco para a saúde no plano global. Não só porque cria obstáculos para prevenção, uma vez que é a partir de estatísticas que se foca o combate a epidemias e se investe em pesquisas, mas principalmente porque alimenta o preconceito — especialmente contra os próprios chineses.