Compreende-se o cuidado da Organização Mundial da Saúde (OMS) em considerar a disseminação do coronavírus uma pandemia, termo que, em si, carrega o peso do medo.
Por enquanto, a crise do novo vírus é tratada como "emergência de saúde pública de importância internacional", conhecida nos bastidores da organização em Genebra pela sigla PHEIC. A designação, que permanece em vigor, tinha como objetivo ajudar países com sistemas de saúde mais fracos em suas defesas, especialmente na África.
Como o próprio diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou, usar pandemia para caracterizar a doença sinalizaria que as autoridades não podem mais conter o vírus, o que, segundo ele, não é verdade. Além disso, a expressão pode amplificar medo e estigma desnecessários. Quem viajou de avião ou navio nos últimos dias, sabe que não é exagero. Muitos passageiros usam máscaras e já é perceptível preconceito contra chineses e a securitização do tema, com isolamentos de cruzeiros e hotéis e o fechamento de fronteiras.
Outro motivo que tem levado a OMS a manter cautela é o temor de críticas, como na crise do H1N1, em 2009, em que foi acusada de ter exagerado na dose do alerta a serviço de interesses escusos da indústria farmacêutica. O equilíbrio é delicado. Quando acelerar e causar pânico? Quando recuar e gerar incerteza? Anos depois de ser acusada de ter provocado uma corrida às farmácias, unidades de saúde e acelerado desenvolvimento de vacinas para uma crise que, na avaliação de alguns especialistas, não era tão grave, a OMS pecou pelo excesso de zelo. Só deu o alerta contra o ebola quando a doença já havia matado milhares de pessoas na África.
Nos últimos dias, enquanto o Brasil celebrava o Carnaval, as bolsas de valores no exterior despencavam e a cotação do ouro voltava a subir, aproximando-se de altas de sete anos. Os mercados de ações globais perderam US$ 3,3 trilhões nos quatro últimos pregões, como medido pelo índice mundial MSCI, que computa ações de 23 mercados desenvolvidos e 26 emergentes.
Os últimos dados indicam que o vírus continua se expandindo em escala planetária. Está em mais de 30 países, com 80 mil casos confirmados, dos quais 77 mil apenas na China. O primeiro caso no Brasil, em São Paulo, é também o primeiro da América Latina — no Norte, Canadá e Estados Unidos já haviam registrado pacientes com o vírus. A epidemia que surgiu na China avançou para o Oeste, chegando ao Oriente Médio, à África e à Europa, e cruzou o Atlântico.
O termo pandemia é usado para descrever situações em que uma doença infecciosa ameaça muitas pessoas de forma simultânea no mundo inteiro. Acontece quando um vírus novo é capaz de infectar seres humanos com facilidade e quando é transmitido de uma pessoa a outra de forma eficiente e continuada. O coronavírus tem essas características.
Compreende-se o peso simbólico da palavra pandemia. No entanto, ao não declará-la, o organismo internacional deixa correr a incerteza materializada nas palavras de Bruce Aylward, chefe da equipe de especialistas da OMS, ao voltar da China:
— O mundo simplesmente não está pronto.