Hosni Mubarak estava enjaulado quando compareceu à audiência do tribunal egípcio que o julgava pela cumplicidade na morte de 800 manifestantes em 2011. A cena nem de longe lembrava o outrora todo-poderoso ditador que governou o Egito com mão de ferro por 30 anos, até ser apeado do poder durante as revoltas da chamada Primavera Árabe.
Mesmo atrás das grades, o marechal tentava manter a pinta de faraó: óculos de sol com lentes grossas, cabelos pintados que escondiam a idade, braços cruzados sobre o peito, impassível. Ali, como um animal aprisionado, escutou a sentença: prisão perpétua por crimes de guerra e contra a humanidade.
Ele acabaria se livrando da pena — como a maioria dos crápulas do século 20, aliás —, mas a imagem que passaria à história seria aquela, do ex-ditador humilhado.
Mubarak foi um sobrevivente da Guerra Fria, como aliás praticamente todos seus aliados derrubados durante a Primavera Árabe. Nascido no Delta do Nilo, em 1928, Mohammad Hosni Said Mubarak formou-se aos 21 anos na Academia Militar Egípcia. Na força aérea, pilotou aviões de guerra Spitfires e, na caserna, assistiu ao golpe que levou o general Gamal Abdel Nasser ao poder em 1952.
Sete anos depois, e já passada a famosa crise do Canal do Suez, ele foi para a União Soviética aprender a pilotar bombardeiros. Como chefe do estado-maior durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, tornou-se uma figura de destaque pelo papel da aviação egípcia no conflito. Teve atuação fundamental no planeamento do ataque surpresa contra as forças israelenses que deu início ao conflito, tornou-se herói nacional. Em 1974, foi promovido a marechal. Um ano depois, seria escolhido para a vice-presidência do país.
Após o assassinato de Anwar Al-Sadat, em 1981, ao seu lado, durante uma parada militar, tornou-se presidente. Não largaria mais o poder. Nas décadas de 1980 e 1990, venceu três eleições. Não havia oposição ao faraó — seus inimigos ou estavam mortos ou nos porões da ditadura.
Mubarak soube sobreviver politicamente — e, diga-se de passagem fisicamente, escapando de pelo menos seis tentativas de assassinato. Transitou entre os hiatos da Guerra Fria, oscilando ora do lado soviético, ora do lado americano. De aprendiz na URSS e algoz de Israel, virou a casaca, aproximando-se da Casa Branca. Sob seu comando, o Egito mediou a paz entre israelenses e palestinos. Com verniz de pacifista enquanto mantinha sua população no cabresto, Mubarak passou a ser visto como o homem mais poderoso do Oriente Médio.
Ele não resistiu aos ventos de liberdade que varriam o deserto africano em 2011, derrubando, como peças de dominó, os ditadores árabes. Mubarak foi o segundo, após 18 dias de manifestações na Praça Tahrir, no Cairo. Por aquelas contradições e surpresas da história, após um curto período de democracia, sua herança faria ressurgir uma nova ditadura no país. E as violações aos direitos humanos que se seguiriam no Egito seriam ainda piores do que na era Mubarak. O marechal morreu nesta terça-feira (25) em um hospital militar, quase esquecido.
Aliás, nenhum dos ditadores depostos nas revoluções da Primavera Árabe está mais vivo: Muamar Kadafi foi agredido até a morte durante a guerra na Líbia, em 2011, o tunisiano Zine el-Abdine Ben Ali morreu no ano passado no exílio, na Arábia Saudita, e Ali Abdullah Saleh, do Iêmen, foi assassinado em Sana, como parte da guerra civil entre os houthis e o forças do governo, em 2017. Nenhum de seus países está melhor do que quando eles estavam no poder.