Enquanto Emmanuel Macron posava de estadista na cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Londres, a França explodia em protestos. Escolas, trens, metrôs e parte do comércio e dos aeroportos passaram os últimos dois dias fechados.
A revolta contra a proposta de reforma da Previdência do governo conseguiu unir categorias que até agora estavam alijadas das ruas. Aos coletes amarelos, movimento nascido há um ano, juntaram-se sindicatos de trabalhadores de outros setores do transporte, professores, funcionários de hospitais e de refinarias de petróleo. As manifestações contam com o apoio de mais de 200 artistas e intelectuais, entre eles o economista Thomas Piketty, autor de "O Capital no Século 21" e do recente "Capital e Ideologia". A ideia dos manifestantes é repetir a paralisação de 1995, que durou semanas e conseguiu barrar a extinção dos regimes especiais de aposentadoria no primeiro mandato do presidente Jacques Chirac.
Agora, a nova tentativa de reforma da Previdência é o ato número 2 de um pacote que Macron começou a implementar em 2017, a partir de mudanças nas leis trabalhistas. A promessa de campanha do presidente, que à época se identificava como um político de "centro centro" e só venceu graças ao voto do medo, anti-Marine Le Pen (extrema-direita), pretende eliminar 42 regimes especiais atuais e que concedem privilégios a certas categorias profissionais. O governo prevê a criação de um sistema único, por pontos, no qual todos os trabalhadores terão os mesmos direitos na hora de receber a aposentadoria. Macron defende que esse seria um sistema mais justo e simples. Os sindicatos temem que a mudança adie a aposentadoria, atualmente aos 62 anos, e diminua o valor dos benefícios.
Os protestos representam um desafio hercúleo para Macron, cujo índice de popularidade gira em torno dos 35% — baixo, mas no padrão de seus antecessores a essa altura do mandato. Quando compra briga com Donald Trump, na cúpula da Otan, e com Jair Bolsonaro, na crise dos incêndios na Amazônia, Macron fala para um público externo, cosmopolita e global — em antítese aos nacionalistas eurocéticos —, mas esse discurso tem pouco efeito no campo doméstico. Se não agir rápido, ele perderá, a curto prazo, o controle da situação. A médio, poderá jogar boa parte dos eleitores nos braços da extrema-direita nas próximas eleições — a prova já veio na disputa parlamentar europeia, em maio, quando a Frente Nacional se consolidou como força central no país, em um voto de castigo a Macron.