A reunião de cúpula em Londres deveria ser a celebração dos 70 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas se transformou naquelas festas que se via em comédias pastelão na TV nos anos 1980 em que tudo dá errado. Começou com uma metáfora verdadeira, porém inadequada, do presidente francês, Emmanuel Macron.
Em entrevista a The Economist, o líder afirmou que a “Otan está em morte cerebral”. Terminou com vazamento de um vídeo em que vários líderes riem de Donald Trump no Palácio de Buckingham. Aparecem nas imagens os líderes de Canadá, Reino Unido, França e Holanda. Lá pelas tantas, escuta-se o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, perguntando a Macron:
– Foi por isso que ele (Trump) chegou tarde?.
O premier canadense, Justin Trudeau, intervém:
– Chegou tarde porque sua coletiva durou 40 minutos.
Depois do vídeo, Trump chamou Trudeau de “duas caras” e cancelou novas entrevistas coletivas durante o evento.
A lista de gafes, desencontros e discursos desafinados são uma boa ilustração de como a Otan chega aos 70 anos. Criada como contraponto ao Pacto de Varsóvia, a aliança militar está sem rumo diante de um mundo com ameaças, incrivelmente, mais complexas do que durante a Guerra Fria.
A Otan precisa de adversários externos para ter razão de existir. Isso não faltam: além da Rússia que recupera protagonismo, a China avança sobre o continente e o terrorismo se apresenta como ameaça não neutralizada. São, entretanto, os inimigos internos que podem comprometer, como cavalo de troia, a unidade da aliança atlântica. Por um lado, Trump pressiona os aliados para que aumentem sua contribuição financeira para o órgão. Enquanto isso, um dos membros, a Turquia está cada vez mais jogada nos braços da Rússia, o rival a quem a Otan se opõe.
As ações de Recep Tayyip Ergogan são engolidas pelos comandantes da Otan porque a Turquia é necessária ao Ocidente: tem eficaz exército, possui Incirlik, base aérea que serve de ponte de lança para ataques no Oriente Médio, e ocupa território estratégico, entreposto entre Europa e Ásia. Mas há fatos atravessados na garganta. Um deles é a compra pela Turquia de um poderoso sistema de mísseis, o S-400, da Rússia. Grosso modo, trata-se de um aliado comprando armas do inimigo. Traz para dentro do território da Otan tecnologia do rival – especialistas temem que isso dê aos russos acesso ao conhecimento dos armamentos ocidentais, entre eles os caças americanos F-35. O país também é questionado por sua atuação na Síria quando atacou os curdos – que lutaram com a Otan contra o Estado Islâmico.
Enquanto a aliança busca curar divergências, a China projeta poder econômico sobre o continente e a Rússia avança sobre o Oriente Médio. A quem interessa uma Europa frágil, espremida entre a Rússia e o Atlântico?
No mínimo a Vladimir Putin e a Trump.