Ainda que se possa suspeitar da total independência da Organização dos Estados Americanos (OEA) — um organismo cujo principal financiador são os Estados Unidos e cuja sede fica em Washington, o que, para muitos, conspira, por si só para o organismo ser um instrumento de pressão norte-americana no continente —, o fato é que a eleição na Bolívia tinha todos os ingredientes para se levantar questionamentos. O mundo foi dormir no dia 20 de outubro com a certeza do segundo turno entre Evo Morales e o líder opositor Carlos Mesa e acordou com a consagração da reeleição do presidente indígena para o quarto mandato consecutiva. Lá se vão 13 anos no poder. Simplesmente porque a Justiça eleitoral mudou a metodologia de apuração na calada da noite: primeiro, a contagem era por ata, depois, voto a voto. Fosse no futebol seria o que se chama de mudar as regras do jogo enquanto a partida está em andamento — e sem direito a VAR.
Sim, os EUA têm todo o interesse de que Evo deixe o Palácio Quemado, como prêmio de consolação já que não consegue desbancar Nicolás Maduro do Miraflores. Mas o processo eleitoral boliviano está impregnado pela suspeitas de fraude.
Evo não quer acabar como Maduro, apegado ao poder graças à cúpula militar que lhe é (ainda) fiel. Desde o início, ele tem marcado distanciamento do vizinho bolivariano — flexibilizou a retórica belicosa, foi o único presidente de esquerda presente na posse de Jair Bolsonaro, em janeiro, e, quando as suspeitas começaram a pairar sobre o pleito, pediu imediatamente à OEA uma investigação externa. Neste domingo, quando a entidade internacional antecipou o resultado de sua análise, pronunciando-se sobre as suspeitas de fraude, Evo convocou novas eleições. Seguiu a cartilha do bom moço, segundo os regimes internacionais _ só falta dizer o principal, se irá ou não concorrer.
Evo está isolado no continente do ponto de vista ideológico, em desvantagem externa — cercado por governos de centro-direita e de direita. Na sua lógica, gostaria de resistir até a posse de Alberto Fernández, na Argentina, em dezembro, quando terá um aliado de peso no continente. Mas as revoltas no Chile já mostraram que apenas bons números da economia _ previsão de 4% em 2019, segundo o FMI, o maior da América Latina — não garantem a manutenção no poder. O milagre econômico boliviano responde pelo boom de commodities que sustentou o crescimento de parte do país até a crise de 2008 e patrocinou a melhora das condições de vida dos bolivianos. No caso da Bolívia, o crescimento continuou mesmo depois da queda nos preços das commodities, graças aos gastos do Estado. No entanto, o viés autoritário do presidente, acusado de governar com o capitalismo para os amigos, e com o socialismo, para os adversários — aliado ao desgaste natural do poder —, fez a Bolívia explodir em protestos das últimas semanas.
A declaração do final de semana, na qual as forças armadas sugeriram que a renúncia de Evo é necessária para acalmar a tensão, é a antessala de um golpe. Evo está isolado. Se não sair por bem, sairá por mal.