A um ano da eleição presidencial nos Estados Unidos, os resultados de votações em dois Estados americanos na terça-feira (6) deveriam servir de alerta aos formuladores da atual política externa brasileira: antes redutos do Partido Republicano, Kentucky e Virgínia deram vitória aos democratas, ou seja à oposição a Donald Trump. Como as disputas foram realizadas depois de deflagrado o processo de impeachment contra o presidente, podem ser consideradas termômetro de como os eleitores observam a crise na Casa Branca trumpiana — e do possível impacto na eleição de 2020.
O resultado interessa ao governo de Jair Bolsonaro, que tem em Trump praticamente seu único aliado internacional com algum prestígio nesses dias. Os demais líderes dos quais o Palácio do Planalto se aproximou enfrentam problemas de popularidade ou perderam eleições: o ex-vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini tentou uma jogada política para concentrar poder e foi derrotado; o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, disputou a segunda eleição em cinco meses, e, de novo, não conseguiu formar governo; o presidente argentino, Mauricio Macri, perdeu a eleição em 27 de outubro para os peronistas; e Sebastián Piñera, no Chile, faz recuos significativos a cada dia diante da pressão das ruas.
Sobrou Trump, que enfrenta o impeachment e não anda bem nas pesquisas. Conforme levantamento da rede ABC News, se as eleições fossem hoje, o democrata Joe Biden venceria com 56% dos votos contra 39% do presidente. No levantamento da NBC, a vantagem da oposição é maior: 50% a 41%.
Daí o risco do alinhamento automático e de votos como o de quinta-feira (7), no qual o Brasil, pela primeira vez em 27 anos, foi contra a resolução que condena o embargo americano a Cuba. A decisão, mais uma vez, foi aprovada por 187 votos contra três — além do Brasil, apenas EUA e Israel votaram contra. Até aliados tradicionais dos americanos, como a Colômbia de Iván Duque ou a Hungria de Viktor Orbán, deixaram de seguir a Casa Branca no plenário da Assembleia Geral. O primeiro se absteve; o segundo, votou a favor da resolução.
A errática diplomacia brasileira conseguiu, ao mesmo tempo, ser coerente e incoerente. Por um lado, cumpriu a promessa de punir o regime cubano, que considera uma ditadura comunista. Os dois pesos duas medidas fica por conta de outros episódios. Ao mesmo tempo em que considera Cuba um regime autocrático, Bolsonaro visita a China, também uma ditadura comandada pelo Partido Comunista. E, se o critério for a tirania à frente das nações, o que dizer da aproximação com a Arábia Saudita, do truculento príncipe Mohammed bin Salman, suspeito de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, do The Washington Post?
O Brasil vota contra o embargo desde que o assunto foi à votação pela primeira vez, em 1991, quando por aqui o governo era do presidente Fernando Collor de Melo. A resolução da ONU não é de apoio ao governo cubano nem tão pouco "coisa do PT ou do Foro de São Paulo". Em nível global, é entendido como uma medida contrária à liberdade de comércio e de navegação consagrada no direito internacional. Também porque a diplomacia brasileira tem como tradição a autodeterminação dos povos e a não ingerência em assuntos internos de outros países.
Ao apoiar o embargo, o Brasil pode dar um tiro no pé. Se ficar isolado no futuro, abre precedente perigoso para intervenções de outras nações. No caso dos incêndios na Amazônia, havia quem propusesse a imposição de medidas semelhantes ao país.