Enquanto os protestos no Chile perdem em participação e ganham em violência, surgem como possíveis saídas a realização de um plebiscito, uma nova Constituição, a implementação de um processo de diálogo entre setores da sociedade ou uma aposta no desgaste do movimento.
Cerca de três semanas depois do início da crise social que pegou de surpresa alguns setores da sociedade, enquanto outros grupos afirmam que estava sendo fermentada ao longo de anos de desigualdade social, poucos são aqueles que se atrevem a apresentar uma única solução.
Sem líderes visíveis ou demandas claras, o desafio é responder ao maior número de propostas que emergem das ruas, entre elas, melhorias na saúde, educação e nas aposentadorias.
Para a maioria dos partidos da oposição, a opção mais viável e rápida para neutralizar a crise é a convocação de um plebiscito para que uma nova Constituição seja elaborada para substituir o que ficou como herança da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Muitos afirmam que essa Constituição promoveu a desconexão entre o governo e a população, abrindo espaço para o surgimento desta crise.
Criada na ditadura e aprovada em 1980 em um referendo sobre o qual sempre houve muitas dúvidas, uma nova constituição é vista como uma espécie de novo ponto fundamental para estabelecer uma nova ordem social, mais igualitária no Chile, um dos países mais desiguais da região.
"A saída democrática é convocar um plebiscito por uma nova Constituição", disse nesta quinta-feira (7) o presidente do Partido Socialista, Álvaro Elizalde, após a série de anúncios feitos pelo presidente chileno, Sebastián Piñera, para aumentar a ordem pública, sem mencionar novas medidas sociais ou políticas.
Além de propor leis para reprimir os manifestantes encapuzados e aqueles que montam barricadas nas ruas, o presidente também decidiu convocar o Conselho de Segurança Nacional (Cosena), uma organização que hoje é apenas de natureza consultiva, mas que atingiu um grande poder durante a ditadura, uma vez que tem entre seus integrantes comandantes das Forças Armadas.
"Convocar o Cosena é um formalismo inútil para resolver a crise nacional, e apenas destaca que o governo é incapaz de resolvê-la. Quanta violência a mais tem que ocorrer para decidir um pacto social e um plebiscito para uma nova Constituição?", questionou Heraldo Muñoz, presidente do Partido Pela Democracia (PPD, oposição).
Já para os partidos do governo, os esforços devem se concentrar em "atender às demandas prioritárias, que são a aposentadoria, saúde e salário mínimo", segundo Jacqueline Van Rysselberghe, presidente da União Democrática Independente (UDI).
A atual Constituição não estabelece mecanismos para substituí-la, nem dá ao presidente a possibilidade de convocação de um plebiscito, um mecanismo reservado apenas para casos de graves divergências com o Parlamento.
Para que o ocorra um plebiscito, Piñera deve primeiro promover uma reforma constitucional e apresentá-la ao Congresso, onde a oposição é maioria.
- Diálogos sem temas vetados -
Quatro dias após o início dos protestos, motivados inicialmente pelo aumento da tarifa do metrô, o presidente anunciou um pacote de 15 medidas, incluindo o aumento - com subsídios - do salário mínimo para 466 dólares, redução das taxas de eletricidade e reajuste do piso das aposentadorias.
Mas estas medidas foram consideradas insuficientes pela oposição e manifestantes, e não conseguiram acabar com os protestos, que seguem pelas ruas do Chile, atingindo agora os bairros nobres de Santiago.
Embora Piñera tenha acenado, pela primeira vez, para a possibilidade de uma reforma constitucional, seu governo está comprometido com o estabelecimento de "diálogos com os cidadãos", que se estenderiam por cerca de dois meses.
Essa proposta está alinhada com a solução apresentada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, para contornar a crise social deflagrada pelos "coletes amarelos", uma situação relembrada pelo próprio Piñera há duas semanas.
Na França, foram realizadas reuniões de conselhos com autoridades locais e um diálogo direto do próprio presidente com autoridades e cidadãos.
"Nosso desafio é que na próxima semana comece o processo de diálogo com esse formato, permitindo que esse debate chegue a todo o país", anunciou na quarta-feira o ministro do Desenvolvimento Social, Sebastian Sichel.
"Não há questões vetadas; vamos discutir todas as questões. São os cidadãos que definem a agenda e uma parte importante do que vamos pedir ao conselho de administração que liderará esse processo de diálogo é exatamente isso, que se defina a metodologia mas sem veto de temas", acrescentou o ministro.
No entanto, alguns mais céticos acreditam que o governo apostaria em adiar a resposta, esperando desgastar e dissolver o movimento social que, sem ter até agora interlocutores, mostrou vários sinais de força.
* AFP