Por sua imensidão territorial e tamanho de sua população, o Brasil não precisa, por decisão de governo, projetar poder sobre os vizinhos. Sem mover um dedo, é visto naturalmente, por seus pares, como potência regional. Por isso, historicamente, a diplomacia brasileira temperou sua conduta com os hermanos latino-americanos pelo paradigma da "cordialidade oficial".
Nas palavras de Amado Cervo, decano brasileiro dos estudos de Relações Internacionais, esse padrão de conduta, que remonta aos tempos do barão do Rio Branco, baseia-se na percepção da grandeza nacional que, por si só, tornam supérfluos sentimentos de rivalidade ou hostilidade por parte de governantes brasileiros.
Ao logo da história, houve maiores ou menores distanciamentos do Brasil com os vizinhos _ mas foram raros. Mesmo durante a ditadura militar, quando o alinhamento brasileiro se dava a priori com os Estados Unidos, havia uma irmandade no Cone Sul para caçar opositores políticos de esquerda – a Operação Condor. Não, o Brasil não entra em divergência com seus vizinhos – para o bem ou para o mal.
Esse posicionamento contribuiu para tornar o país mediador natural de rixas entre vizinhos: um dos mais conhecidos episódios foi a paz alcançada entre Peru e Equador, que disputavam fronteiras, costurada em longas negociações por intermédio do Brasil.
Além da premissa de boa vizinhança, há outros predicados do perfil conciliador da diplomacia brasileira: o princípio da não intervenção em assuntos internos de outros países, em respeito à Carta da Organização das Nações Unidas, e o não alinhamento automático o tornaram reconhecido pela independência que o alçou a árbitro regional.
Não é mais assim. Ao comprar briga com o futuro governo peronista na Argentina, o Brasil rompe a política da cordialidade oficial. Ao aliar-se com atores domésticos em crises internas na Venezuela (Juan Guaidó) e na Bolívia (a oposição que chega ao poder por um discutível processo de renúncia de Evo Morales e de autoproclamação da senadora Jeanine Añez), o país deixa de ser visto como juiz internacional. Não há mais neutralidade.
Fenômenos externos das relações internacionais são reflexos de pressões domésticas. Talvez por também o Brasil estar, internamente, polarizado, manifeste-se na política externa tomando um lado: o de Mauricio Macri, na Argentina, o de Sebastião Piñera, no Chile, o de Mario Abdo Benítez, no Paraguai, o de Martín Vizcarra, no Peru. E rechaçando o outro lado: o de Nicolás Maduro, na Venezuela, o de Evo Morales, na Bolívia, o de Andrés Manuel López Obrador, no México, e o de Daniel Ortega, na Nicarágua.
Porém, enquanto separar o continente entre nós e eles, entre bem e mal, a diplomacia brasileira se apequena, perde sua característica fundamental de aproveitar os competentes quadros da Casa de Rio Branco em prol do diálogo, e deixa de ser respeitada justamente por um valor fundamental nesses tempos: a independência.