País que mergulhou por quase 10 dias em uma crise de desabastecimento, saques e confrontos nas ruas, o Equador vive, agora, um clima de expectativa sobre o que virá depois do recuo do governo Lenín Moreno. A revolta foi provocada por um decreto do presidente, que cortou os subsídios que regulavam os preços dos combustíveis há mais de 40 anos. No domingo, Moreno revogou o decreto e estabeleceu negociações com a oposição.
No auge da crise, o embaixador do Brasil em Quito, João Almino, chegou a sugerir que turistas adiassem viagens ao país. Nesta quinta-feira (17), ele conversou com a coluna sobre a situação no Equador. (Produção Bruno Pancot)
Como está a situação agora, o senhor acha que o recuo do governo será suficiente?
No momento estão correndo negociações muito importantes. Houve um acordo inicial através do qual o governo revogou o decreto que eliminava os subsídios aos combustíveis, mas chegou ao entendimento de que haveria negociação de um novo decreto. Esse processo está em curso. O fato de ter havido o acordo inicial permitiu que houvesse normalização crescente nas cidades em geral, inclusive em Quito. Nesse momento, a situação se normalizou em grande medida em todos os campos, no abastecimento, quanto a manifestações e atos violentos, bloqueios de estradas e movimento nos aeroportos.
O Executivo continua em Guaiaquil?
Continua, embora o presidente tenha vindo a Quito, e, ontem (quarta-feira), despachado e conduzido uma reunião em seu palácio. O prédio ficou seriamente ameaçado (na semana passada, quando quase foi invadido). Houve atos violentos no centro da cidade muito próximo ao palácio. A situação é de expectativa, de espera, porque tem a ver com essa segunda fase das negociações. E expectativa também em relação ao que o governo poderá fazer em relação às reformas que pretendia levar adiante.
A embaixada chegou a sugerir que brasileiros adiassem viagens ao Equador. E agora já é seguro viajar ao país?
Agora, diria que não há problemas mais graves: aeroporto funcionando, não há bloqueios de estrada entre o aeroporto e Quito. Em Guaiaquil, a situação está normalizada.
Alguns brasileiros procuraram a embaixada?
Vários. Recebemos mensagens de muita inquietação de brasileiros que estavam em algumas cidades, a duas, três horas de Quito. Pudemos orientá-los sobre o que fazer. Em um ou outro caso, conseguiram se deslocar dos hotéis para lugares mais seguros ou a seus destinos. Em alguns momentos, o aeroporto ficou bloqueado, sem voos. Mas essas situações já estão superadas.
O corte nos subsídios que por 40 anos regularam os preços dos combustíveis era uma tentativa de cortar gastos do estado, para atender as demandas do FMI. Com esse recuo, há margem para outras medidas? Cortes em outras áreas?
Essa é uma questão da maior importância. Não é só exigência do FMI, é necessidade de se autofinanciar. Porque o Equador tem uma economia dolarizada. Então, não tem aqueles instrumentos da política monetária e da política cambial quando há um problema sério, por exemplo de um déficit fiscal. As saídas para um país que não tem a moeda própria são basicamente o endividamento, atração de investimentos externos, aumentar o saldo positivo da balança comercial ou aumentar a tributação. Esses são os instrumentos. Não necessariamente a superação do problema passará por corte de subsídios, mas nesse caso parecia às autoridades da área econômica uma maneira eficaz de combater parte do problema porque são subsídios muito elevados, há um benefício do ponto de vista ambiental, parecia ser essa a saída mais lógica. Mas todos esses elementos podem ser utilizados em uma composição geral do que seria uma forma de melhorar a situação do país do ponto de vista de sua sustentabilidade econômica. Os empréstimos do FMI são realizados a uma taxa de juros muitíssimo mais baixas do que uma taxa que o país poderia obter no mercado internacional. O FMI não dá a fórmula exata, ele não exige que tenha de ser tal caminho. Ele tem flexibilidade para negociar com o país aquilo que é mais mais factível, inclusive politicamente. Hoje em dia, o FMI já não é exatamente aquele do passado, que não tinha a menor preocupação, pelo menos assim era visto do ponto de vista social, para com os países.
Houve essa preocupação do governo Moreno de tentar sanear as contas do Estado. Responsabilidade fiscal maior e um pragmatismo explicam a mudança de orientação.
JOÃO ALMINO
Embaixador brasileiro no Equador
Há muita polarização política, algo comum também em outros países no continente. O próprio presidente Lenín Moreno acusou o ex-presidente Rafael Correa de estar insuflando os protestos. É possível perceber?
As primeiras manifestações foram do setor de transportes. O aumento do preço da gasolina e diesel tem impacto imediato sobre preço de passagens, do frete. As comunidades indígenas já estavam na oposição ao governo avaliaram que a eliminação dos subsídios teria impacto em suas áreas, nas atividades agrícolas, nos transportes, sobretudo no custo de vida. Então, veio uma segunda manifestação, de maior força, envolvendo organizações muito importantes, com peso político historicamente grande. Outros grupos de oposição ao governo também aproveitaram o momento para se mobilizar. O governo tem a suposição de que, nesse caso, visavam não somente eliminar o decreto, mas tinham objetivos maiores de atacar as instituições ou destituir o governo. Esses grupos aproveitaram a ocasião para se mobilizar. Isso foi feito, na visão do governo, de maneira coordenada, de atacar as instituições, como na tentativa de ocupação do palácio.
O presidente Lenín Moreno, ex-vice de Rafael Correa, era um político de esquerda que, ao assumir o poder, de uma guinada à direita. A que se deve essa mudança de comportamento?
O governo passou a ter uma postura política mais pragmática. Ele se vê como um governo de esquerda, porque o Alianza País é um partido que se vê dessa forma. Mas essa pragmatismo, de fato, levou a um redirecionamento da política internacional do país e a novas posturas internamente. É um governo que se aproximou mais dos interesses empresariais visando a dinamização da economia, tem preocupação fiscal, porque herdou um problema: houve muitos investimentos, mas quando Moreno assumiu, havia um déficit significativo e um endividamento elevado do país. Houve essa preocupação do governo Moreno de tentar sanear as contas do Estado. Responsabilidade fiscal maior e um pragmatismo explicam a mudança de orientação.
Outras crises latino-americanas
Abaixo, veja no gráfico como está a situação em outros países vizinhos do Brasil que vivem instabilidade política e econômica.