A catástrofe eleitoral que se abateu sobre a Casa Rosada de Mauricio Macri, no domingo (11), não abalou apenas os mercados latinos nesta segunda-feira (12), temendo retorno do kirchnerismo ao comando da Argentina. Deixou de cabelos em pé a direita no continente.
Trata-se de um pesadelo para aliados regionais. A possibilidade de ver Cristina Kirchner de volta ao balcão do palácio presidencial acendeu o alerta vermelho de Brasília a Assunção, passando por Bogotá, pela residência de Juan Guaidó, em Caracas, e atrapalhou a madrugada de Donald Trump na Casa Branca, em Washington. Não à toa o presidente Jair Bolsonaro apelou ao discurso do medo do retorno da "esquerdalha" durante sua visita ao Rio Grande do Sul.
Se o kirchnerismo voltar ao poder, a geopolítica latino-americana muda radicalmente, após a chamada onda azul, o fenômeno político conservador que deu lugar à maré rosa, dos governos de esquerda na região — que tinha no casal K, no bolivarianismo de Hugo Chávez e Evo Morales, e no PT seus principais representantes. A crise na Venezuela, por exemplo, seria alterada profundamente. O cambaleante Nicolás Maduro voltaria a ter um aliado fortíssimo no sul do continente. Essa perspectiva poderia inclusive fazer os Estados Unidos acelerarem seu plano para mudança do regime venezuelano.
Chamar a votação de domingo de primárias é o correto. Mas as Paso (sigla para primárias abertas, simultâneas e obrigatórias) são bem mais do que apenas um funil, criado em 2009, para reduzir o número de candidaturas. Com os nomes definidos pelos partidos há algum tempo, o processo eleitoral peculiar de nossos hermanos virou um termômetro fundamental para os estrategistas de campanhas, uma espécie de megapesquisa eleitoral a menos de três meses das presidenciais.
Na Argentina, tudo pode mudar de uma hora para a outra: ganhar as Paso não significa levar o caneco, que o diga Daniel Scioli, que, no pleito de 2015, venceu as primárias, ficou na frente no primeiro turno e perdeu para Macri no ballotage, como os argentinos chamam o segundo turno. Mas agora é diferente. A vitória da chapa Fernández-Fernández, parceria de Alberto Fernández com a ex-presidente Cristina Kirchner, é bem maior: deu-se por diferença de 15 pontos percentuais de Macri e seu vice, Miguel Ángel Pichetto. Caso se repita esse percentual em 27 de outubro, o kirchnerismo venceria no primeiro turno.
O fracasso de Macri também traz alertas ao Brasil de que governos passam e Estados ficam. É preciso cautela ao comentar assuntos internos de outras nações. Bolsonaro, quebrando uma tradição da diplomacia brasileira de não se meter em temas dos vizinhos, por exemplo, tem criticado duramente Cristina, comparando-a a Dilma Rousseff e a Lula. Como será se ela voltar à Casa Rosada como vice, em um momento em que os dois gigantes latino-americanos – seja quem estiver no poder do outro lado do Rio da Prata – têm a importante missão de negociar as letras miúdas do tratado entre Mercosul e União Europeia?
Sabe-se que a história é pendular — após guinadas à direita, é esperado o rebote da esquerda. Só não se esperava que, na Argentina, fosse tão rápido. A reeleição de Macri, por exemplo, era dada como certa alguns meses atrás. Associação ilícita, lavagem de dinheiro, acobertamento e administração fraudulenta são algumas das denúncias contra Cristina. Mas, entre o medo do retorno, e a preocupação com o bolso, os argentinos optaram, por enquanto, pelo segundo. Estão punindo o governo Macri pela situação econômica do país. As medidas liberais não debelaram a inflação nem a recessão. Paira sobre as calles de Buenos Aires um clima semelhante à era pré-caos do final dos anos 1990.