Em diplomacia, rusgas passam, mas feridas, muitas vezes, custam a cicatrizar. Por isso, o incidente com navios iranianos impedidos de partir do porto de Paranaguá por quase dois meses não ficará para trás tão rapidamente, mesmo depois que as duas embarcações desaparecerem no horizonte do Atlântico. Ao se negar a abastecer os dois cargueiros, a Petrobras argumentava que a empresa que opera os navios está na lista de companhias sancionadas pelo governo dos Estados Unidos — e com as quais os parceiros americanos, como o Brasil, não podem negociar sob pena de sofrerem penalidades.
O Irã ameaçou cortar as importações do Brasil. O impasse só acabou com a decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, que determinou o abastecimento das embarcações, sob argumento de que o impasse prejudicaria a balança comercial brasileira. Por ordem judicial, a estatal brasileira não seria, em tese, penalizada pelos americanos.
Trata-se do segundo front aberto pela política externa do governo de Jair Bolsonaro a colocar em risco as relações comerciais com países do Oriente Médio — primeiro foi com a Liga Árabe, na polêmica sobre a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. O recuo — houve apenas a instalação de um escritório comercial, com status inferior, na Cidade Sagrada — aliviou, por enquanto, a pressão. Mas não totalmente.
Ao meter os pés pelas mãos na política externa, o Brasil arrisca um mercado que representou 5,92% de todas as exportações do país em 2018. Nações do Oriente Médio — excetuando-se Israel — importaram US$ 14,2 bilhões no ano passado em produtos brasileiros. No caso do Irã, os aiatolás são os nossos principais compradores de milho.
A maneira como o governo manejou a crise dos navios, tratando o Irã a priori como inimigo, dá sinais de como será, daqui para frente, o posicionamento brasileiro em um dos assuntos mais espinhosos da geopolítica atual: a crise nuclear, tema com risco real de levar o mundo à guerra. O alinhamento automático do governo Bolsonaro com os Estados Unidos de Donald Trump além de ser uma ruptura no histórico pragmatismo da diplomacia brasileira levará, em caso de um ataque americano, a um inédito apoio explícito do Brasil a Washington.
Efeito colateral: comprar briga com o Irã pode tragar o Brasil para a rota de organizações extremistas do Oriente Médio. Triste coincidência: o incidente com os navios ocorreu paralelamente ao aniversário de 25 anos do atentado à sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 85 mortos, em Buenos Aires. O ataque ocorreu dois anos após a explosão na embaixada de Israel, também na Argentina. Até hoje, os casos não foram esclarecidos. Mas as suspeitas sobre o Hezbollah, financiado pelo Irã, são fortíssimas.
A cartilha da Casa de Rio Branco sugeriria neutralidade em caso de guerra. Não raro, a diplomacia brasileira costumava atuar como mediadora de crises. Houve, é verdade, alguns excessos de voluntarismo, como no fracassado acordo de Teerã, no governo Lula. Mas são sempre mais indicados cautela e diálogo do que sair falando grosso na arena internacional.