A Rússia tem um péssimo histórico de segurança nuclear no mar. Dos anos 1960 para cá, perdeu pelo menos sete submarinos atômicos. Entre eles, o Kursk, que foi a pique em 2000 com 118 marinheiros a bordo em um drama que amalgamou o mundo por dias: o Kremlin ocultou que havia sobreviventes no interior da embarcação, ao mesmo tempo em que, para proteger segredos militares, negava ofertas de apoio internacional para resgate. Todos os tripulantes morreram – alguns, que haviam suportado a explosão inicial, sucumbiram aos poucos, sem ar, no imenso sarcófago de aço.
Dezenove anos depois, a Rússia repete a pouca transparência que lhe é peculiar diante de suas próprias tragédias. Chernobyl está aí para lembrar. Até hoje, muitas questões não vieram à tona.
Agora, detalhes do incêndio que provocou 14 mortes na segunda-feira (1) no submersível de pesquisas não serão divulgados. Foi o que informou o Kremlin.
– Esta informação não pode se tornar pública em sua totalidade.
Está na categoria sigilo de Estado – afirmou ontem o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que considera a decisão do governo “perfeitamente normal”.
E não se fala mais nisso.
Então, 14 marinheiros, entre eles oficiais, morrem intoxicados pela fumaça de um misterioso submersível destinado, segundo a versão oficial, ao estudo do fundo dos oceanos, e os russos – e o mundo – não têm o direito de saber o que ocorreu?
Por trás, o método Vladimir Putin de lidar com a imprensa, com organizações de defesa dos direitos humanos e com a comunidade internacional. Então, vamos às hipóteses: o Kremlin confirmou que este é um aparelho “inusual”. A imprensa russa fala de um modelo AS-12 ou o AS-13, conhecidos como Locharik e planejados para pesquisas e operações a grandes profundidades. Sua tripulação responde diretamente ao Ministério da Defesa, é autônoma em relação à marinha russa e um dos departamentos mais sigilosos.
Moscou informou que o submersível retornou a seu porto, na cidade fechada de Severomorsk, na região de Murmansk. É ali a toca dos submarinos russos, sede da poderosa Frota do Mar do Norte, à qual também pertencia o Kursk. Não por acaso, perto do Ártico.
Esse modelo acidentado na segunda-feira foi usado em 2012 para coletar amostras da plataforma continental no subsolo como apoio à reivindicação russa nas Nações Unidas por soberania no Polo Norte.
Aliás, a Rússia é a nação mais à frente na corrida pelo território. Planeja uma rota marítima alternativa ao Canal de Suez, está de olho nos bilhões de barris de petróleo e trilhões de metros cúbicos de gás da região, sem falar nas questões estratégicas e de segurança. Enquanto muitos se preocupam com o Oriente Médio e a Península Coreana, é no Ártico que pode se dar a guerra no futuro.