Para entender como Estados Unidos e Irã colocaram o mundo à beira de uma nova guerra é necessário observar o que acontece no Oriente Médio em três perspectivas: a de quatro anos atrás, a das últimas semanas e o contexto da região mais explosiva do planeta. Inimigos desde a Revolução Islâmica, em 1979, os dois países elevaram o tom das ameaças recíprocas desde que os aiatolás decidiram alavancar seu projeto nuclear. Americanos e iranianos viveram às turras nas últimas décadas – com idas e vindas diplomáticas, sanções econômicas que mais faziam a população sofrer do que sufocavam o regime de Teerã e ameaças daqui e dali.
Isso até 2015, quando o presidente Barack Obama costurou um acordo que limitava o enriquecimento de urânio (passo fundamental para quem deseja ter a bomba atômica) dos iranianos. Foi um acordo histórico, que envolveu não apenas EUA e Irã, mas aliados europeus, China e Rússia – aliás, nenhuma folha se mexe naquela região sem que os dois gigantes orientais tenham conhecimento ou ingerência.
Com Donald Trump na Casa Branca, era previsível que o acordo fosse revogado, em uma série de decisões do atual presidente para desmantelar o legado do antecessor. Os EUA se retiraram do tratado nuclear em maio do ano passado, alegando que o Irã descumpria o pacto, em sua visão, insuficiente para barrar o suposto plano de ter a bomba. A comunidade internacional gritou, mas não adiantou. Novas sanções foram impostas e os americanos voltaram a falar grosso com os aiatolás.
A retórica de Trump, aliás, é muito semelhante à do governo George W.
Bush às vésperas da invasão do Iraque, em 2003, sob o falso argumento das armas de destruição em massa. Não é coincidência. Por trás das falas agressivas na Casa Branca está o mesmo homem que, junto com outros neoconservadores do círculo republicano, arquitetou ideologicamente a derrubada de Saddam Hussein: John Bolton, atual secretário de Segurança Nacional. Ele e o ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado Mike Pompeo estão sedentos por uma guerra que nem Trump deseja – é muito cara, atrapalha os negócios, como já se teve um gostinho esta semana com o veto do Congresso à venda de US$ 8 bilhões aos sauditas em armas, e vai na contramão do refluxo que o atual governo tem levado a cabo nas operações militares no Exterior. Também têm as marcas digitais de Bolton e Pompeo a ideia de incluir, este ano, a Guarda Revolucionária iraniana na lista dos americanos de grupos terroristas.
Então, chegamos aos dias atuais: com o Irã pressionado pelas sanções econômicas, sobrou aos aiatolás a tentativa de chamar a atenção da Europa, da Rússia e da China contra os EUA. É mais ou menos o que fazia Kim Jong-un com seus foguetes e bravatas nucleares no passado.
Em 12 de maio, dois petroleiros foram incendiados no Estreito de Ormuz. No dia seguinte, mais dois. E, na quinta-feira, o drone americano foi abatido. Se ocorreu ou não no espaço aéreo iraniano, pouco importa. É um ato de guerra.
Mas e o contexto? Petroleiros atacados, drone abatido, tudo isso ocorre em um cenário extremamente sensível. Pelo Golfo Pérsico passa 30% da produção de petróleo mundial. A região é também campo de disputa estratégica entre Estados Unidos (por meio de seus aliados Arábia Saudita, Israel, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Omã, Catar, Iraque e Bahrein) e Rússia (que manda e desmanda na Síria, tem influência sobre Irã, Líbano e tem atraído para seu círculo próximo cada vez mais a Turquia, que, ironicamente, integra a Otan).
Sobre Arábia Saudita e Irã, um agravante: os dois países disputam a hegemonia de influência na região. Grosso modo, as duas nações são representantes de americanos e russos, respectivamente, algo que, nas Relações Internacionais, é chamado de "guerra por procuração". O campo de batalha é o Iêmen, país que vive um conflito interno entre forças do governo apoiadas pelos sauditas e uma milícia rebelde, os houthis, suportada pelo Irã. Um míssil inclusive foi lançado contra um aeroporto saudita nos últimos dias, o que contribui para o aumento da tensão.
Os americanos estão armados até os dentes na região, com bases militares no Bahrein, onde fica a sede do Comando Central Naval e quartel-general da 5ª Frota, com mais de 7 mil americanos, no Catar, nos Emirados Árabes Unidos, em Omã, na Arábia Saudita, no Kuwait e no Iraque. Nos últimos meses, foram deslocados para o Golfo o grupo de ataque liderado pelo porta-aviões USS Abraham Lincoln, o USS Arlington e uma força-tarefa com bombardeiros B-52.
Trump pode fazer a guerra a qualquer momento, se quiser. Mas, ao que tudo indica, ao recuar na madrugada desta sexta-feira, pensou mais no seu plano pessoal: reeleger-se no ano que vem. Um ataque, três dias após lançar sua candidatura, pode melar seus planos de permanecer na Casa Branca por mais quatro anos. Riscar o Irã do mapa ou dar apenas um susto nos aiatolás são ideias que atenderiam a Bolton, a Pence e ao público mais conservador americano. Nem grande parte do partido de Trump, o Republicano, apoia uma ação. Trump não se reelege governando apenas para os falcões.