Entre os dias 26 e 28 de abril, Porto Alegre irá sediar o 10º Congresso da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal). O Rio Grande do Sul abriga a maior comunidade palestina do país, com 25 mil pessoas, metade de todo o país. O evento ocorre em momento sensível diante das novas relações entre o governo brasileiro e Israel. Durante o congresso, que ocorrerá no Hotel Embaixador, na Capital, o atual presidente, Elayyan Aladdin passará o cargo para o novo representante. Nesta entrevista, ele avalia a atual relação entre o Planalto e a comunidade palestina.
Passada a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel, a comunidade palestina tem buscado maior aproximação com o governo?
A federação tem sido protagonista nessa aproximação em busca de diálogo. Estamos trabalhando junto às instituições, partidos políticos, desde a extrema-esquerda até a extrema-direita, para que o governo consiga perceber que o Brasil nunca teve uma conduta parcial. A conduta histórica das relações políticas exteriores sempre foi equilibrada. Estamos tentando construir com os principais aliados do governo esse diálogo. Essas conversas têm surtido efeito, porque, embora o presidente tenha uma postura preconcebida, não tem avançado tanto quanto prometeu na campanha. Os países árabes têm contribuído com isso. A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, os embaixadores árabes estarão aqui (em Porto Alegre) apoiando esse evento da comunidade palestina. Temos boa expectativa de que seremos ouvidos e de que o governo voltará a ter um papel de mediador e não escolher um lado. O Brasil deve manter esse papel de líder internacional, de mediador, de buscar solução de paz e não se posicionar a favor de um ou outro Estado.
A tradição no Brasil é de relação pacífica entre árabes e judeus. Isso pode mudar?
Não poderia ser diferente. Somos todos brasileiros, todos temos os mesmos direitos e deveres, um respeito muito grande de uma comunidade com a outra. E, se depender de nossas comunidades, vamos manter essa amizade. Sempre houve contatos entre as comunidades, isso (o conflito no Oriente Médio) não vai ser importado para cá. Esse clima tenso criado, a postura que rompe com a tradição diplomática brasileira, pode trazer um pouco de faíscas, mas a gente está tomando todo o cuidado para que isso não aconteça.
O vice-presidente Hamilton Mourão recebeu a delegação da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Ele tem sido mais sensível às complexidades do Oriente Médio? Quem no governo vocês buscam como interlocutores?
O governo é muito recente. Estamos trabalhando, buscando espaço para o diálogo, para que mantenha a posição tradicional brasileira de equilíbrio. O vice-presidente nos recebeu enquanto presidente em exercício. Mas também o presidente Bolsonaro esteve com os embaixadores árabes na semana passada em jantar promovido pelo Ministério da Agricultura. Ele disse estar com os braços abertos, que não vai tomar posições. Mas, politicamente, a gente está vendo que, no terreno, as coisas não estão acontecendo. O presidente esteve, sim, em território palestino, mas sem que a diplomacia palestina fosse consultada. Isso causou mal-estar. Ele esteve na parte oriental de Jerusalém (ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967). Com todos os outros presidentes, o Itamaraty estabelecia relação com o governo da palestina.
A reeleição de Netanyahu e sua promessa de anexação dos Territórios Palestinos, foi uma declaração eleitoreira ou há risco de isso ocorrer na sua opinião?
O risco maior é esse aumento da extrema-direita em Israel. Eles estão criando um monstro que não terão controle. Isso é ruim não só para os palestinos mas também para os israelenses. A conduta do Netanyahu ao longo dos anos sempre foi de expansão, colonialista, nunca foi velado isso. Esse projeto vai continuar. Cabe à comunidade internacional, às forças políticas, frearem esse absurdo.
Além dos constrangimentos provocados por Israel, a Palestina nunca foi criada como Estado por problemas internos – corrupção, falta de unidade e de controle sobre grupos extremistas, como Hamas.
É muito difícil para um governo semi-autônomo, que tem um exercício sob ocupação, conseguir trabalhar essas questões. O grande responsável pela não criação do Estado é a força militar e a ocupação israelense. Claro que buscamos uma unidade nacional. Mas não é a unidade que está impedindo a criação do Estado. A unidade vai contribuir para que a gente tenha mais força de buscar a libertação. O verdadeira vilão é a ocupação, esse projeto colonialista que se instalou na Palestina.
Mas e os grupos extremistas?
O Hamas, para os palestinos, é considerado uma força política, que tem representação grande da população palestina. Tem uma linha que não concordo, enquanto descendente de palestino. Aqui, no Brasil, acho que a maioria pensa em uma Palestina laica, democrática. Temos algumas discordâncias, mas entendemos que ele (o Hamas) tem legitimidade enquanto representação de parcela grande da população. Os palestinos têm o direito de resistir. Essa questão política de radicalismo é subjetiva.