"Fim da usurpação - governo de transição - eleições gerais." Esse tem sido, desde 23 de janeiro, o mantra repetido por Juan Guaidó desde que se autoproclamou presidente da Venezuela. Quando ele fala em "fim da usurpação em marcha", nesta terça-feira (30), significa a conclusão da primeira fase de seu plano: a queda do regime de Nicolás Maduro.
Lá se vão três meses desde o 23 de janeiro, e Maduro não caiu. Guaidó não chegou ao poder. Nesse período, houve idas e voltas, momentos de alta tensão, como o 23 de fevereiro, quando da tentativa fracassada de ingresso da ajuda humanitária, e instantes de baixa, em que o movimento da oposição arrefeceu.
O que só aumentou nesses três meses foi o sofrimento da população: se antes as cenas de prateleiras de supermercados vazias eram a melhor representação de um país que se esfacela economicamente, agora, são imagens de pessoas buscando água para beber nos riachos sujos de Caracas, seres humanos pegando comida em caminhões de lixo e apagões diários. Para o cidadão comum, o governo não caiu, Guaidó perdeu o timing e a vida só piora.
O fato de Guaidó ter escolhido ir até a base militar de La Carlota para se mostrar à população acompanhado de militares dissidentes é simbólica: trata-se da principal base aérea de Caracas. Tradicionalmente, as tentativas de golpes de estado na Venezuela são comandados pela força aérea.
Guaidó diz ter o apoio das unidades militares, que são o sustentáculo do regime e que mantêm Maduro de pé. Mas não se consegue identificar, até o momento, nenhum militar de alto escalão o apoiando. O governo diz que se tratam de alguns poucos grupos dissidentes.
Pode ser um blefe de Guaidó? Pode. E, se for assim, será provavelmente o seu último. No final do dia, Guaidó pode estar preso. Em vários momentos, ele convocou a população a ir às ruas, anunciou o "fim da usurpação" e, após alguns dias, tudo voltou ao normal — ou o "normal" venezuelano. .
Ter Leopoldo López, ex-prefeito de Chacao e outrora principal líder da oposição, a seu lado é o fator supresa. O político estava preso desde 2014 pelo regime madurista. Mas é preciso deixar claro: ele não estava em uma penitenciária. López estava em prisão domiciliar. Então, não se sabe se houve um ato de insubordinação militar – o que contribuiria para a narrativa de sublevação na caserna, de Guaidó – ou se simplesmente ele decidiu sair.
Já estava previsto um movimento pelo 1º de maio, no Dia do Trabalho, quando Guaidó havia convocado a população a ir para as ruas. Para a sobrevivência política de seu projeto, é essencial continuar a encher as avenidas e praças de Caracas. Aparentemente, Guaidó antecipou a ação para provocar efeito surpresa.
A Venezuela vive sob o império do medo. Infelizmente, pude não só testemunhar isso como viver essa situação em janeiro, durante minha retenção. Enquanto a população não tiver certeza de que Maduro não exerce mais poder, não irá em massa atender aos pedidos de Guaidó. Não haverá marcha sobre o Miraflores. Tampouco os militares atenderão às ordens do presidente autoproclamado se não houver garantias de que todos o farão. Estamos diante de um blefe ou, de fato, a ditadura começa a ruir. As próximas horas dirão.