Poucos dias atrás, escrevi que Nicolás Maduro havia sido o grande vencedor do 23 de fevereiro. Havia uma questão objetiva: a oposição fracassara na tentativa de fazer entrar a ajuda humanitária na Venezuela.
Neste 4 de março, o "04Mar" venezuelano, o jogo virou. Juan Guaidó ganhou o dia, ao menos até agora.
Ao passar pela imigração do Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Maiquetía, como qualquer cidadão, o líder da oposição conquistou sua primeira grande vitória na queda de braço com o ditador Nicolás Maduro. Entrou na Venezuela pelo ponto mais militarizado do país, depois da região do Palácio de Miraflores.
Desde a madrugada, havia efetivos da Guarda Nacional, a força mais truculenta do regime Maduro, e do serviço de inteligência bolivariano, o Sebin, a sua espera na região do aeroporto. Eles apenas observaram.
O retorno foi bem diferente da saída, em 22 de fevereiro, pela fronteira com a Colômbia. Havia sido às escondidas, provavelmente com o apoio de militares que desertaram. Desta vez, ao regressar, Guaidó desafiou Maduro. Entrou de peito aberto. Foi, acima de tudo, um ato de coragem.
É difícil apostar na tese de que, se Guaidó não foi preso no aeroporto, não o será mais. Até porque, em Caracas, seu endereço é conhecido. Dias atrás, agentes da Guarda Nacional fizeram uma operação em frente a sua residência, um ato de intimidação quando sua filha estava em casa.
Guaidó apostou alto. Certamente, não retornou sem costurar muito bem sua rede de apoio internacional antes de tomar o avião rumo a Caracas. Pelo Twitter, havia informado que deixara um plano "com claras instruções" a seus aliados, caso fosse preso. No domingo, o assessor de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, havia dito que, em caso de detenção, a resposta americana seria "dura e significativa".
Minutos antes de Guaidó desembarcar em Maiquetía, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, advertiu que qualquer ameaça a sua segurança teria uma resposta rápida por parte das forças americanas: "Qualquer violência ou intimidação contra ele, não será tolerada e terá uma resposta rápida", afirmou Pence, pelo Twitter.
Ainda que a entrada de Guaidó reforce o argumento de Maduro de que não há uma ditadura na Venezuela, sua chegada como herói é um divisor de águas na luta da oposição pelo poder. O gesto desacredita a autoridade do ditador, que não foi capaz de cumprir sua promessa de prendê-lo. E prendê-lo segundo leis que ele próprio definiu em um país onde a Justiça é fantoche do Executivo. A se confirmar que continue livre, a entrada por Maiquetía é uma derrota do bolivarianismo.
Mais: ao desafiar o poder do ditador, Guaidó mostra a quem ainda acredita em Maduro que ele não é tão poderoso assim — e isso escancara fissuras nas forças armadas. O medo tem sido a base de sustentação do regime. Quando alguém vê que o monstro não é tão monstro assim, a ditadura começa a cair.